terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O TESOURO DE WIL


Aquele moço aparecia todos os dias para apreciar o movimento das lindas garotas que saiam das escolas e, invariavelmente, esboçava um sorriso todo cheio de super-confiança pois era muito conhecido de quase todas elas e desfrutava da simpatia e interesse que tinham por ele... afinal,... filho de um renomado empresário e, apesar de ter apenas uns 16 ou 17 anos de idade era um dos poucos jovens que passeava pela cidade todo cheio de orgulho dirigindo um belo carro conversível importado.

Meu pai era um Gerente de Banco e minha mãe professora. Não tínhamos carro.

Eu acabava de me mudar para aquela cidade e era muito tímido e, pior de tudo, não conseguia disfarçar pois sempre que me aproximava de alguém desconhecido, ficava logo com o rosto corado demonstrando minha timidêz.

Wil, como costumávamos tratar nosso amigo, não se continha quando percebia que eu começava até a gaguejar em frente àquela turma de moças que vinha em nossa direção. Então, brincalhão e zombador como ele era, Wil ia logo se aproximando das mocinhas fazendo gracejos e apresentando-as a nós, seus amigos, insinuando eventuais namoros.

Eu "morria" de vergonha com aquilo mas ficava todo entusiasmado. Meus amigos, além de Wil, eram o Marquinhos, o Leopoldo, o Reginaldo, o Benetti e o Nakarato.  Todos nós estudávamos a primeira série do colegial e tínhamos entre 15 e 17 anos de idade.

Marquinhos, assim como Wil, era o mais desembaraçado com as garotas. Todo final de semana ele ia às matinées dos cinemas e sempre estava acompanhado de uma nova namorada... Nós ficávamos sentados em cadeiras perto, assitindo aos beijos e "mãos atrevidas" que Marquinhos lançava sobre todas elas e não nos deixando sossegados para assistir aos filmes. Afinal,... o "espetáculo" à nossa volta era muito mais interessante pois era real e ao vivo !

Quando eu chegava em casa e estava sozinho, ficava lembrando aqueles beijos ardentes e a reação da mocinha e então fantasiava ser eu o "bonitão" abraçando e beijando aquela linda jovem. Isso me deixava muito excitado, assanhado e encorajado a no próximo dia aproximar-me de uma delas e também iniciar minha vida de "namorador"... mas,... a timidêz era mais forte e eu só conseguia pensar, imaginar e  fantasiar !.

Wil tantas vezes me provocava perguntando se eu já havia visto um corpo nu de alguma garota. Eu, apesar de nem ter visto em fotografias ou revistas do gênero, respondi inseguro com toda segurança:  "claro que sim,.. já vi muitas,... você está pensando que eu sou o quê ?"

Wil ria sem parar e apontando-me com o dedo indicador, dizia aos demais amigos:

- Esse caipira aqui nunca viu nem galinha pelada... Imagina se algum dia viu uma garota nua !

Todos riram de mim, como se também já estivessem cansados de ver uma garota nua ou de algum dia terem se esfregado com elas... Eu sei que Marquinhos era especialista nisso, assim como imaginávamos que Wil também o fosse.

Muitas e muitas vezes nos clubes, onde frequentávamos, eu via o Wil rodeado de lindas garotas conversando todo entusiasmado abraçando e beijando-as no rosto.  Ah, que vontade que eu tinha de ser o Wil e ter a facilidade de cortejar aquelas meninas... Então eu me aproximava delas e Wil sempre me apresentava suas amigas. Nos Centros Acadêmicos ele sempre dançava com as mais lindas mas também me apresentava a elas e eu, que gostava de dançar muito, passava a noite toda dançando com uma com outra... até a festa terminar.

Confesso que nunca vi o Wil namorar de verdade alguma garota. Ele brincava com todas, era muito amigo e até ia às vezes em matinées e ficava com elas aos abraços e beijos... mas eu nunca o vi namorando sério qualquer garota.

Wil um dia me apresentou uma amiga de nome Márcia. Era bonitinha, mas não era aquela que eu sempre havia sonhado. Ficamos amigos e nos encontramos muitas vezes no clube, no Centro Acadêmico ou no cinema,... ou até nas casas de amigos quando das famosas "brincadeiras dançantes"... mas nunca fui seu namorado de verdade e, apesar de ter beijado algumas vezes, ... Marcia não era a garota dos meus sonhos !

Wil, a partir de um certo dia que não me lembro, não era mais visto com frequência. Poucas vezes eu o vi nos próximos dois anos e estava sempre sozinho, embora com o mesmo jeito alegre de sempre. Aproximei-me dele, como sempre fazíamos, e não aguentei em perguntar logo o que estava acontecendo que ele tinha sumido.

- Ah,... agora eu estou namorando uma Princesa ! Ela é o maior tesouro que algum dia alguém poderia desejar ! Estou amando,... estou perdidamente apaixonado.!!!
-Wil ... ! Logo você que dá em cima de todas as garotas, foi se apaixonar por uma só ? O que está acontecendo ?
- Ela é linda... ! Uma loirinha linda, meiga, educada, fina, dança como uma bailarina, voz mansa, sorriso angelical,... ela é linda !
- E por que você não nos apresenta ? Somos seus amigos ... !
- Não ! Essa garota eu não vou apresentar a ninguém... Já apresentei todas as garotas que eu conhecia a vocês... mas essa é a minha garota e será só minha para sempre... !
- Mas,.. qual o problema ? Eu sou seu amigo e nunca iria olhar para a namorada de um amigo... você sabe disso, não sabe ?
- Sim,.. eu sei sim. Você é mesmo o meu maior amigo e o único que eu confio... Mas eu estou apaixonado e agora eu só quero ficar o dia todo com ela...

E assim, Wil foi se despedindo de mim naquela praça central da cidade... E foi embora todo sonhador e apaixonado deixando-me ali com um sorriso tímido e cheio de inveja.  Wil era mesmo um rapaz de sorte e eu continuava sonhando com minha princesa !

Não o vi mais nos próximos dois anos. Mudei-me para São Paulo e por lá fiquei durante quarenta anos. Nunca mais soube dele, também do Reginaldo, do Benetti e do Nakarato...

Durante muito tempo me lembrei do Wil. Coitado: era mesmo um grande amigo e me apresentou tantas amigas para que eu namorasse alguma delas... !. Mas eu nunca me interessei por nenhuma pois ainda pensava em encontrar "aquela princesa " que ele nunca havia apresentado !

Retornei de mudança à minha cidade após esses quarenta anos.

Procurei saber o que havia acontecido com meus grandes amigos e demorei pra saber de seus paradeiros.

Leopoldo foi o primeiro que encontrei. Era politico e ocupava cadeira de vereador há muitas gestões. Mas, ele tinha o meu endereço e durante muitos e muitos anos me enviava notícias de sua plataforma política assim como notícias gerais.

Marquinhos descobri que havia falecido em um acidente automobilistico.

Nakarato encontrei após três anos, saindo de uma agência bancária. Reconheci-o de imediato pois parecia que o tempo não havia passado para ele. Conversamos bastante e ficamos de nos encontrar... mas não o vi mais.

Benetti e Wil eu não tive notícias e não fiquei sabendo de seus paradeiros...

Reginaldo formou-se médico e continua morando na cidade, mas não consegui contato ainda... e nem lembrei de procurá-lo...

Fiquei muito desanimado por perceber que minha querida turma não existia mais e que eu, talvez, nem pudesse mais encontrar os velhos amigos e matar a saudade daquele tempinho tão alegre, inocente, despreocupado que fez parte de nossa maravilhosa vida de adolescentes...

Mas,... certa noite, faz pouco tempo,... resolvi sair para me distrair e fui até um Bar-Restaurante muito bem frequentado com música ao vivo. Não reconheci ninguém naquele lugar, com todas as mesas ocupadas por gente muito bonita e alegre... Uma banda tocando musicas brasileiras e alguns casais dançando... Sentei-me em um local, tipo balcão, próprio para pessoas sozinhas e comecei a tomar uma cerveja com alguns petiscos...

De repente sentou-se ao meu lado uma charmosa mulher, loira, bonita, com um corpo lindo, talvez de uns 50 anos de idade...

- Você se incomoda que eu fume perto de você ?
- Não, moça ! Fume a vontade,... afinal você é quem vai se ferrar por causa do cigarro... (risos)

A moça sorriu gentilmente, apesar da minha brincadeira nada delicada, e começou a conversar comigo perguntando-me de onde eu era já que meu "sotaque" não parecia ser da cidade...  Respondi então que eu era sim da cidade, mas que havia passado os ultimos quarenta anos morando em São Paulo e, talvez, pela convivência com tanta gente de tantos lugares eu tivesse adquirido um sotaque diferente, apesar que por ter sido filho de professora, meu sotaque paulista e "caipira" nunca foi acentuado...  Ela sorriu e convidou-me a sentar a sua mesa, onde também estavam outras 3 amigas.

Por muita coincidência, sua amiga Marli dizia-me ter um irmão de nome Ediberto que morava em São Paulo há muitos anos. Conversando, concluimos que eu o conhecia muito bem e até sabia onde morava e o que fazia. Rimos muito por tal coincidência.

Falamos, todos nós, de nossas vidas. Então eu comecei a dizer que gostava muito de escrever e que, um dia, havia escrito sobre os meus inesquecíveis amigos e as nossas farras de adolescentes. Disse a elas que eu não havia encontrado somente dois amigos, ou seja, o Benetti e o Wil.

Falei muito do Wil, dizendo do seu jeito alegre, descontraído, que tinha um bigodinho que parecia que passava "titica de galinha" pra crescer... e todas elas riram muito das proezas que contei que fazíamos. De repente, aquela mulher disse-me que foi casada com um homem do mesmo nome mas que ele havia falecido fazia uns 20 anos de uma doença inesperada...

Fizemos silêncio, ouvindo-a com tristeza falar de seu falecido marido... De repente, ela virou-se para mim e perguntou-me se eu sabia o que ele fazia. Respondi que parecia que ele trabalhava com o pai em alguma loja de acessórios para automóveis...

- É ele... sim... é o meu Wil. Você foi amigo do meu marido ! O Wil trabalhava sim com o seu pai... e ele me disse várias vezes que tinha um amigo que ele gostava muito, mas que havia se mudado para São Paulo e nunca mais teve notícias... Só pode ser você,... como ele gostaria de ver você novamente !
- Puxa ! Então você era a loirinha que ele tanto escondia de nós ? Ele até dizia pra mim que tinha se apaixonado por uma "Loirinha metida de cabelos tipo rabo de cavalo" que tinha acabado de chegar na cidade...
- Sim, ... sou eu mesma ! Mas nunca fui metida não... (risos) . O Wil que vivia me chamando de "Loirinha Metida " !.
- Ah,.. ! Então você é msmo a "Loirinha Metida" do Wil ! Puxa vida, até que enfim eu entendo porque aquele  meu amigo sacana se escondeu de todos nós ! Ele estava certo... Se eu fosse ele, com uma mulher linda assim como você, eu também teria sumido da frente dos meus amigos !!! (risos)

Todos na mesa não se contiveram e cairam na gargalhada. Afinal, duas desconhecidas, por incrível coincidência, uma era irmã de um amigo que eu conheci em São Paulo entre mais de 15 milhões de habitantes, e a outra era a MISTERIOSA "LOIRINHA METIDA"  que fez o Wil se afastar de todos os seus amigos.

Convidei-a para dançar e ali ficamos muito tempo dançando e conversando...

- Sabe,... " Wil era muito meu amigo... mas ele nunca me apresentou uma mulher tão encantadora quanto você !

Ela sorriu timidamente e encostou seu rosto junto ao meu ... !

Desde aquele momento não nos separamos mais. Eu e a "loirinha metida", que é a mulher mais doce que já conheci, estamos vivendo momentos de muita alegria e muito amor, dando muito carinho um ao outro todos os dias... !

- " Wil: acho que você fez tudo isso de propósito, seu sacana ! Você nunca me apresentou uma mulher tão maravilhosa quanto a sua "loirinha metida",... Você a escondeu de mim porque sabia muito bem o que eu estava procurando, não é ? Tudo bem... eu teria feito o mesmo ! Mas agora eu tenho certeza que foi você que me fez vir aqui e encontrar esse seu TESOURO para que eu cuide direitinho, para sempre, do mesmo jeito que você sempre quis cuidar ! Fique tranquilo amigão:  Demorei muito pra encontrar meu sonho e foi você quem trouxe até mim. Saberei cuidar com todo carinho pois esse Tesouro, foi o melhor e mais lindo presente que você escolheu pra mim ! "



Michel Legrand - "Summer  of 42"
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Raul de Abreu
11 / 01 / 2011