sábado, 15 de dezembro de 2012

UM SONHO DE CRIANÇA

Estava com uns seis anos de idade quando a notei pela primeira vez.
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Incrível: como poderia passar pela cabeça de uma criança de seis anos, um sentimento tão interessante mas até então desconhecido que aumentava a cada dia e ficava cada vez mais de uma forma quase incontrolável ?.
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Voltava do “Jardim da Infância” para casa e ela o dia todo em meus pensamentos.
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Aquele lindo sorriso, meigo, ingênuo,... aquela voz tão suave, aqueles olhos que me hipnotizavam... !.
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Eu não sabia o que fazer. Não podia comentar com meus pais com medo de que pudessem aplicar alguma punição. Também não podia comentar com nenhum colega pois certamente não seria compreendido mas sim vulgarizado pois, eles, não perdoavam ninguém que confessasse simpatia por uma garota e, assim, eu seria ridicularizado o dia todo:
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- Olha lá o bobinho que está apaixonado pela... ! Bobo, bobo, bobo... !
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Também não sabia se estava apaixonado pois não sabia o que era isso. Mas era um sentimento que sufocava e eu queria vê-la cada vez mais. Por sorte, éramos bons amigos e nossos pais eram bons amigos.
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Estudávamos muitas vezes juntos, fazíamos trabalhos juntos. Mas nunca tive a coragem de dizer o que eu sentia com medo de perder sua amizade e, quem sabe, ser punido por nossos pais.
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Que situação difícil !.
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Decidi dar tempo ao tempo e continuar perto, cultivando sempre a boa amizade que tínhamos... !.
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O tempo passou, já éramos adolescentes e mesmo assim nunca tive a segurança de que já poderia falar sobre o assunto pois não estava confiante que aquele sentimento fosse recíproco.
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Sempre que íamos aos bailinhos, dançávamos juntos alegremente.
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Certa vez, já com uns dezenove anos de idade, estávamos dançando e arrisquei aproximar meu rosto do dela. Ela usava um vestido sedoso e assim pude sentir com as mãos aquele corpinho tão bonito e tão prazeroso de se tocar. Encostei meu corpo ao seu e mal conseguíamos respirar, muito menos falar qualquer coisa. Fiquei excitado mas atordoado com o que ia acontecendo e, com medo, mais uma vez, de uma admoestação, convidei-a para tomarmos um refrigerante e ficar lá conversando com os demais amigos.
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Poucos minutos depois, desesperado, fui embora daquele clube deixando aquela garota com suas amigas. Peguei meu carro e, sem saber o que fazer, saí da cidade com pressa, rumo à outra cidade que então eu morava fazia uns quatro anos... !
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Os dias passaram...
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Enviamos cartas e mais cartas, sempre com os dizeres:
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“ Oi amiga, tenho muitas saudades de você !. Como vai nossa cidade ? Como vai você ?...”
“ Oi amigo, estou com saudades de você !. Quando você voltará à nossa cidade ?. Ah, quando você vier, quero que se hospede em minha casa, pois assim teremos mais tempo para conversarmos e passarmos mais tempo juntos... !”
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Eu estava mesmo apaixonado mas continuava na dúvida se o mesmo acontecia com ela...
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No colégio, na nova cidade, conheci uma nova garota e logo resolvi esquecer aquela menina dos meus seis anos de idade...
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Alguns anos se passaram e casei-me. Não tive mais notícias da outra.
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Quatro anos depois de casado, minha tia e seus filhos vieram nos visitar. Que alegria rever os primos e aquela tia que eu tanto gostava.
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Coincidência: ela também era tia daquela menina dos meus seis anos...
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Minha tia chamou-me para conversarmos fora de casa. Não entendi porque eu deveria ir até a calçada mas logo imaginei que algum segredo iria contar...
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- “ Sabe, ... ela me levou um convite de casamento e me disse que só vai se casar com aquele rapaz se você disser que não quer nada com ela. Ela confessou que sempre amou muito você e que gostaria de se casar com você ! Ela está esperando sua resposta. O que digo pra ela ?.”
- Tia, mas agora já estou casado. Ela nunca demonstrou que gostava de mim a esse ponto. Sempre fomos amigos e eu sofri esse tempo todo calado...
- Mas ela te ama muito e não se conforma de não ter você. Porque você não vai até lá e resolve essa situação ?.
- Não tia. Agora eu não posso mais. Minha mulher está grávida e não posso dar esse desgosto a ela e a ninguém. Fico feliz em saber que aquela garota  também me amava, ... mas não foi a vontade de Deus e agora não posso mais !.
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Ela se casou e teve filhos. Um dia encontrei-a em casa de sua mãe, com seu filhinho recém-nascido. Nunca falamos sobre nosso passado e a partir daquela dia nunca mais nos vimos ou falamos.
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Hoje li seu nome em algum lugar. Não sei onde ela mora, nada mais sei a seu respeito mas escrevi uma mensagem:
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- “ Oi, tenho saudades. Como você está ? Onde você mora ? Quero te ver !.”...
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Talvez receba uma resposta...
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Aquele dia, quando tinha seis anos de idade, estava todo ensolarado, o céu tão lindo, tudo muito bonito à minha volta e consigo agora sentir aquela deliciosa sensação !.
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Era Abril e a temperatura variava, sendo quentinha entre 10 da manhã até às 4 da tarde. Depois começava a soprar uma brisa fresquinha que ia esfriando... 

Estou sentindo aquela brisa novamente !. Sonhando acordado, parece que vejo aquela linda menina vindo ao meu encontro sorrindo...


.  Blue eyes  -  Elton John
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Raul Ramos Neves de Abreu
23  Junho  2015