Acabara de completar 15 anos de idade e estava partindo para continuar a estudar em outra cidade, pensando que voltaria logo pra casa...(nunca mais voltei) !.
O Trem partia as 10:00 h mas eu já estava na estação, ansioso, quase uma hora antes. E lá, até o Trem chegar, ficava andando sem parar "de lá pra cá" irriquieto e conversando com as pessoas que perguntavam o que eu iria fazer ou outras coisas que nada me animavam. Afinal, eu não estava partindo porque queria deixar minha casa, mas sim porque era preciso ir para outra cidade e continuar minha vida em busca de uma formação profissional.
O Trem partia as 10:00 h mas eu já estava na estação, ansioso, quase uma hora antes. E lá, até o Trem chegar, ficava andando sem parar "de lá pra cá" irriquieto e conversando com as pessoas que perguntavam o que eu iria fazer ou outras coisas que nada me animavam. Afinal, eu não estava partindo porque queria deixar minha casa, mas sim porque era preciso ir para outra cidade e continuar minha vida em busca de uma formação profissional.
A viagem não era longa mas havia tantas paradas nas pequenas estações dos vilarejos até a grande cidade e, por isso, íamos admirando cada lugar diferente e observando as pessoas que, em cada uma, ficavam esperando a embarcação só para acenarem aos viajantes que por ali tantas vezes passavam.
A paisagem era linda: tempo chuvoso e todas as plantações cheias de vida, as árvores viçosas, as flores brilhantes, os animaizinhos felizes, os pássaros cantando... Fiquei o tempo todo olhando pela janela do trem tudo aquilo tão maravilhoso e fui esquecendo o que deixava para trás.
Como será minha vida na nova cidade ? Sim, eu sabia que lá estavam meus avós, tios, primos e alguns amigos, mas não era onde eu ficava totalmente a vontade por considerar "O MEU LAR , A MINHA CIDADE " !.
Ansiedade, medo, curiosidade... Mil coisas passavam em meus pensamentos. Ah,... longe de casa eu deixaria uma grande chance para que algum amigo "roubasse" aquela garota que eu tanto sonhava em um dia ser minha namorada, quem sabe, para a vida toda... eu não iria encontrar ninguém, nunca, tão maravilhosa quanto ela... !.
Quando cheguei ao meu destino a Estação do Trem era grande, bonita,... havia até lanchonetes para se tomar um refrigerante ou um salgadinho, lanches, havia muita gente bonita, gente de muitos lugares e até de outros Estados do Brasil, havia pessoas estrangeiras estranhas que nunca tinha visto senão apenas em revistas, havia Índios, Japoneses, Alemães, Americanos, ... Na minha cidade havia apenas meus amigos que eram descendentes de italianos ou portugueses mas que em nada pareciam estrangeiros. Ah,.. lembro agora, havia também apenas alguns "turcos" que tinham lojinhas e que mais tarde descobri que não eram "turcos" mas sim que eram descendentes de Sírio-Libaneses. Mas também havia descendentes de judeus que nunca disseram que eram judeus e só fiquei sabendo de suas origens muitos e muitos anos depois.
Até meu tio era judeu e nem minha tia sabia. E também descobri por uma foto antiga que estava na gaveta de uma grande camiseira que aquele homem de barba preta comprida e um chapelão preto não era outra coisa senão um Rabino que era Tataravô de minha mãe.
Quanta coisa descobri ao longo da vida...
A Estação em Ribeirão Preto era linda e muito grande. Não havia ninguém de minha família me esperando... Fiquei nervoso e com muito medo, a cidade era muito grande.
Havia Táxis à espera dos viajantes e até algumas charretinhas puxadas por cavalos. Eu ainda não sabia andar direito naquelas ruas até a casa de meu avô e também não sabia se meu dinheiro daria para pagar o táxi. Então, tomei a charretinha e fui até a casa de vovô. No trajeto fiquei observando as pessoas, muitas pessoas pelas ruas... pessoas bonitas, bem arrumadas, apressadas,... as ruas todas com calçamentos,... tudo muito diferente da minha cidade, estudantes uniformizados saindo de suas escolas...
- Amanhã, pensei, meu tio vai me levar à escola onde irei conversar com o Diretor. Vou ter que fazer um exame escrito ou oral para tentar uma vaga naquela escola !...
O Diretor era um homem grande, forte, sério... Senti tremedeira e comecei a gaguejar quando começamos a conversar. Pediu-me que mostrasse o Histórico Escolar o que fiz prontamente. Ele leu, releu, olhou tudo, olhou tudo de novo e, finalmente comentou:
- Você só tem ótimas notas !. Não precisa fazer exames, sua vaga já está garantida e você já pode começar as aulas !.
Meu tio ficou muito orgulhoso e feliz e disparou muitos elogios abraçando-me com muito carinho. Claro, eu fiquei muito contente com tudo aquilo pois temia causar alguma decepção já que eu vinha de uma cidade tão pequena e, até então, não me sentia à altura dos estudantes daquela cidade que eu imaginava fossem exemplares alunos. Ledo engano, descobri mais tarde: eu realmente era um excelente aluno e sabia muito de todas as matérias e até falava corretamente os idiomas Inglês, Francês, Espanhol,... enquanto que aqueles daquela grande cidade mal pronunciavam uma palavra ou outra em outro idioma, claro com raras exceções !.
Voltei pra casa de vovô que já me aguardava ansioso... Pensei: "eu sou o máximo" e vovô vai ficar muito feliz !.
E foi assim mesmo: meu tio, primeiro passou em sua casa contou tudo para titia e meu primo que já fazia a Faculdade e em seguida fomos todos dar a notícia a meus avós. Foi uma grande festa, meu coração disparado de alegria e emoção !. Meus avós não se continham de felicidade e imediatamente começaram a ligar para meus pais, parentes e amigos para contar tudo aquilo maravilhoso que estava acontecendo !.
UFAaaaa.... ! Que alívio !. Toda aquela ansiedade, o medo, toda aquela sensação estranha que tomava conta de mim desde aquele momento em que cheguei à Estação do Trem da minha cidade começou a se desfazer a partir daquele instante. Agora, pensei, falta encarar os novos colegas na escola e conseguir ser aceito por eles !.
Dona Herculina era a Professora de Inglês. Era muito inteligente, muito alegre e muito bondosa, além de muito compreensiva.
Eu estava sentado em uma carteira no meio de uma fileira pois ali naquele colegial (Científico) as garotas ocupavam todas as carteiras da frente e os rapazes sentavam-se somente nas carteiras seguintes. Na minha frente sentava-se uma garota loirinha de nome Maria Lúcia. Ela era tímida, muito estudiosa e muito boazinha e ficamos bons amigos.
Certo dia, Dona Herculina foi chamada para uma reunião de professores com o Diretor. Então ela voltou-se para a classe e perguntou aos alunos se alguém poderia continuar dando a aula de Inglês enquanto ela estivesse na reunião... Bem, como ninguém se manifestou - claro que por medo, ela que já conhecia mais ou menos os alunos, convidou-me para substituí-la... Que sorte: eu adorava Idiomas e sabia tudo de Inglês e, para melhorar, a aula era apenas de gramática, coisas simples que pude apresentar sem problemas.
Eu era filho de Professora, sobrinho de professores e já havia dado aulas particulares de várias matérias, inclusive Idiomas, para meus colegas de Ginásio.
SUCESSO: as garotas do Científico ficaram maravilhadas com minha aula e já ficaram minhas amigas, enquanto que os rapazes ficaram com muita inveja e não muito meus amigos. Dona Herculina gostava muito de mim e dizia que sempre que ela não pudesse dar aulas eu deveria substitui-la !.
Voltei pra casa e contei tudo a meus avós e tios... Ganhei um uniforme novo, roupas novas e até um par de sapatos novinho que meu avô, muito orgulhoso, fez questão de comprar. Apesar que eu não era o neto mais velho, sempre fui o preferido pois, além de morar com meu avô, tenho o mesmo nome dele.
Passei logo mais a fazer parte de um Grupo de Teatro do Colégio, de um outro grupo de música que tinha uma banda e do time de futebol. Em tudo esmerava para ser o melhor !. Fiz muitos amigos logo, já não era um estranho em tão pouco tempo e já não me lembrava com tanta saudade daquele dia que cheguei à Estação do Trem tão triste por deixar minha cidade e meus amigos. Nova vida se iniciava naqueles momentos, muitos planos, muitas atividades, muita alegria !.
Certo dia, em Setembro um colega de nome José Berdu, morador de Franca, convidou-me a passar o final de semana na praia, em Santos, pois ele tinha tios que moravam lá. Eu nunca tinha visto o Mar e ficava imaginando: " será que as águas do mar são azuis mesmo ? ".
Berdu era um bom amigo, então convenci meus avós a me deixarem ir naquele passeio onde também foram outros colegas do Científico. Fomos de ônibus até São Paulo e de lá em outro ônibus até Santos.
Quando estávamos chegando em Santos, minha emoção era tanta que parecia que meu coração ia pular pela boca: Eu nunca tinha visto o Mar !.
Já na descida da Serra avistava-se o mar, mas eu não podia ter boa noção pois era uma visão muito distante... Chegando na cidade, em uma avenida que terminava na avenida do mar,... avistei pela primeira vez aquela imensidão nas águas do mar que ia e voltava, que ia e voltava e assim dando compasso à minha respiração ofegante e às batidas do meu coração !.
Quanto progresso: Alguns dias atrás eu brincava nas ruas mal calçadas de minha cidadezinha ... !.
Os parentes de José Berdu eram argentinos, mal falavam o português. Então descobri naquele dia que também os pais de Berdu eram argentinos e, portanto, Berdu foi o primeiro Argentino que conheci e que nunca desconfiei que não fosse brasileiro. Engraçado, uma coisa tão simples, tão boba e eu ali dando tanta importância tentando dialogar com seus tios no idioma castelhano já que eu também havia aprendido no Ginásio. Fiquei em êxtase: pela primeira vez na vida eu conversava com um estrangeiro no idioma do estrangeiro !. E eles ficaram admirados e muito contentes com aquilo e, imagino que, por tal situação, prepararam uma mesa com um farto lanche com muitas frutas, pães, salgados, bolos e um tal de "ramón" que eu jurava que era um presunto mal passado (risos) !.
Foram cinco dias maravilhosos em Santos na casa dos tios de Berdu.
Já no primeiro dia, fomos à praia: Engraçado, havia um lugar onde as pessoas trocavam de roupas e alugavam uma pequena "cabine" (um pequeno armário) para deixar roupas e pertences. Nunca imaginei uma coisa dessas.
Na praia, muitas pessoas tomando sol, banhando naquelas águas " QUE NÃO ERAM AZUIS", jogando futebol, volei e outras brincadeiras, fazendo piquenique (famosos frango com farofa), ouvindo músicas, dançando, cantando... QUE MUNDO ENCANTADO que eu não imaginava existir.
As garotas !. Ah, as garotas !. Elas usavam maiôs, algumas já usavam biquinis,... aqueles corpos lindos bronzeados... Eu nunca tinha visto uma garota de maiô, menos ainda de biquini "ao vivo", pois minha cidade não tinha praia, não tinha clube com piscina,... só as Revistas como O CRUZEIRO que por vezes mostravam fotos discretas de algumas Celebridades Nacionais ou Internacionais.
Ah que garotas lindas de biquini !.
- Ei rapaz, seu queixo vai cair. Você é mesmo um "CAIPIRA" ! Nunca viu uma mulher de biquini ?
- Não Berdu, eu nunca vi.
- Nunca foi ao Clube em Ribeirão ? Lá está cheio de garotas...
- Não, ainda não fui. Não sou sócio. Mas meu tio é e quando voltarmos vou pedir pra ele...
- Então relaxa e vamos tomar um suco...
Andando pela praia, avistei uma linda garota saindo das águas com biquini vermelho que não era possível não ser notada. Parei e fiquei admirando... Ela percebeu e começou a sorrir...
Nossos amigos resolveram jogar vôlei de praia. Eu não conseguia me concentrar naquele jogo pois aquela garota estava sentada perto de nós e nos observava.
Meus amigos também notaram que ela olhava para nós. Então, cada um já imaginou ser o responsável pelo interesse da moça. Bem,... eu também achei que o assunto não era nada comigo e fiquei olhando a moça que continuava sorrindo.
- "Caipô"... ô "caipô" ela está dando bola pra você, vai lá conversar com ela. Vai lá "caipô".
Bem, eles estavam me tratando de caipira porque eu não conhecia tantas coisas que passei a conhecer com eles e assim, por eu ser "tão caipira", quero dizer, ignorante, passei a ser chamado de "caipô" !. Mas, será que ela estava mesmo olhando pra mim ?. Com muito medo, mas tentando provar aos meus amigos que eu era "o máximo" fui lá conversar com ela.
- Oi, tudo bem ?
- Oi, tudo. Notei que você estava me paquerando...
- Paquerando ? Eu ?
- Sim, você. Como se chama ?
Assustado, olhei para trás onde estavam meus amigos. Eles todos parados olhando o que iria acontecer e, com certeza, apostando que eu iria me dar mal com aquela moça.
- Eles me chamam de "Caipô" porque eu nasci em uma cidadezinha muito pequena perto de Ribeirão onde estou estudando. São meus colegas do Científico... Meu nome ?
- Sim, como você se chama ?. Sabe eu também estava olhando pra você,... você tem cabelos muito bonitos, loiros, você é legal !.
- Sou ? Você acha ?
- Você tem namorada ?.
- Bem,... não, não tenho, mas,...
- Eu também não tenho namorado. Terminei com meu namorado já faz tempo...
- Ah,... é ?. E você mora aqui ?.
- Não. Eu moro em São Paulo mas temos um apto. aqui em Santos.
- Seus pais estão aqui com você ?
- Não. Meu pai é falecido. Minha mãe está em casa. Ela não gosta da praia e está fazendo almoço.
- Ah,.. legal...
- Você vai almoçar onde ?
- Não sei. Talvez na casa dos tios do Berdu ou então vamos tomar um lanche em algum lugar...
- Você não gostaria de almoçar em minha casa ?. Aposto que minha mãe vai gostar de você !.
- Bem,.. não sei... Meus amigos...
- Deixa eles pra lá, estou vendo que eles estão apostando que você não ia conversar comigo.
- É, você tem razão. Então tá. Vamos lá. Mas é longe ? Eu não sei voltar...
- Não se preocupe, diga a eles que vai almoçar em minha casa e que depois voltaremos aqui...
Fiquei ofegante !. Estufei o peito, mexi nos cabelos fiz uma pose de Alan Delon e fui conversar com meus amigos:
- Olha aí seus idiotas: ela me convidou pra almoçar na casa dela. Vocês vão comer pão com mortadela que eu vou comer uma lasanha !.
Ficaram boquiabertos olhando-nos saindo da praia em direção ao prédio aonde estava sua mãe.
- Mãe, esse é meu amigo que conheci na praia. Ele veio almoçar conosco. Ele é de Ribeirão Preto.
- Ah, meu filho. Você é de Ribeirão Preto ? Nossa, tenho parentes lá, quem sabe você os conhece...
- Bem, Senhora, sou novo em Ribeirão. Não conheço ninguém ainda além de meus colegas de escola.
- Ah, mas minha família é grande. Meu ex-marido nasceu lá...
- Quem sabe ? Talvez eu conheça...
Ela citou vários nomes e, infelizmente, eu não conhecia mesmo...
O almoço estava uma delícia, o ambiente muito familiar e respeitoso. Dona Marisa era Evangélica e em tudo que dizia demonstrava suas convicções religiosas o que me fez pensar muito no respeito que eu deveria ter com ela, com sua casa e principalmente com sua filha. Foi por isso que entendi porque aquela moça - Eliane, era tão educada e atenciosa: ela era muito religiosa e muito carinhosa !.
Após o almoço, voltamos à praia onde meus amigos já nos esperavam. Fomos ao encontro deles e apresentei Eliane a todos. Ficamos horas conversando juntos, brincando, entrando e saindo nas águas do mar... até que ao final da tarde Eliane despediu-se de nós e convidou-me para ir ouvir músicas.
Bem,... imagino que possam imaginar o que eu estava sentindo com tudo aquilo acontecendo sem esperar e, mais ainda, o que meus amigos que me tratavam como "caipira" estavam imaginando ao meu respeito: " aquele safado disse que é o Alan Delon, e nós aqui mordendo os dedos... !".
Eliane era uma linda moça. Pele bronzeada, faces rosadas, olhos verdes, um corpo maravilhoso !. Estava vestindo uma saia florida que marcava bem seus contornos... Um perfume suave e discreto... Sua mãe sempre em roupa preta, como se estivesse sempre de luto, porém tranquila e sorrindo.
Eliane tinha um pequeno "toca-discos" portátil e colocou um disco para ouvirmos !. Era um dos sucessos da época que mais tarde veio a ser o tema de um filme muito famoso com Dustin Hoffman e John Voight - "Midnight Cowboy ! ".
Eu ainda não tinha ouvido aquela música e comecei a traduzir a letra enquanto ouvia... Eliane então convidou-me para dançar. Enquanto iam cantando a música eu ia traduzindo a letra a seus ouvidos... !
Dona Marisa ficou observando e, certamente, preocupada com o que estava acontecendo: estávamos dançando cada vez mais perto um do outro com nossos corpos colados sem má intenção ou que percebêssemos a situação !.
A música parou de tocar e continuamos ali abraçados, em silêncio, atônitos com os olhares fixos um no outro... !.
Pensava naquela música tão envolvente e em sua letra, enquanto ainda mantinha Eliane em meus braços... Parecia contar minha história até aquele momento, desde que deixei Tambaú - minha querida cidade natal, não em um ônibus, mas em um Trem - que só me mostrou maravilhas pelo caminho, ... nos meus amigos que lá deixei, meus lugares secretos onde ia brincar, o clube onde ia dançar, meus professores, meus sonhos, minha vontade de beijar aquela garota que lá deixei,... os meus novos amigos em Ribeirão, os desafios porque passei para ser aceito, o quanto me esforcei para não decepcionar meus pais, avós, parentes e amigos, aquela primeira viagem sozinho a Santos,.. a praia, o Sol, o Mar,... Eliane em meus braços, ... e aqueles amigos lá fora pensando não sei o quê de mim, mas certamente com muita inveja !.
A música dizia o que na verdade estava acontecendo em minha vida:
- " Deviam estar me observando, falando de mim, embora eu não pudesse ouvir suas vozes mas pudesse entender o que queriam dizer, apenas pela sombra de seus olhos, enquanto eu ali, sem nunca ter planejado, sentindo o Sol brilhando e refrescando-me nas águas daquele mar e ao som de uma linda música dançando com uma princesa - Eliane, que acelerava meu coração e minha mente e tudo era um grande eco de felicidade ... motivando-me a não deixar meu amor para trás. Eu sei que estão falando de mim,... não importa o que estejam falando porque eu não vou deixar meu amor passar ! ".
A paisagem era linda: tempo chuvoso e todas as plantações cheias de vida, as árvores viçosas, as flores brilhantes, os animaizinhos felizes, os pássaros cantando... Fiquei o tempo todo olhando pela janela do trem tudo aquilo tão maravilhoso e fui esquecendo o que deixava para trás.
Como será minha vida na nova cidade ? Sim, eu sabia que lá estavam meus avós, tios, primos e alguns amigos, mas não era onde eu ficava totalmente a vontade por considerar "O MEU LAR , A MINHA CIDADE " !.
Ansiedade, medo, curiosidade... Mil coisas passavam em meus pensamentos. Ah,... longe de casa eu deixaria uma grande chance para que algum amigo "roubasse" aquela garota que eu tanto sonhava em um dia ser minha namorada, quem sabe, para a vida toda... eu não iria encontrar ninguém, nunca, tão maravilhosa quanto ela... !.
Quando cheguei ao meu destino a Estação do Trem era grande, bonita,... havia até lanchonetes para se tomar um refrigerante ou um salgadinho, lanches, havia muita gente bonita, gente de muitos lugares e até de outros Estados do Brasil, havia pessoas estrangeiras estranhas que nunca tinha visto senão apenas em revistas, havia Índios, Japoneses, Alemães, Americanos, ... Na minha cidade havia apenas meus amigos que eram descendentes de italianos ou portugueses mas que em nada pareciam estrangeiros. Ah,.. lembro agora, havia também apenas alguns "turcos" que tinham lojinhas e que mais tarde descobri que não eram "turcos" mas sim que eram descendentes de Sírio-Libaneses. Mas também havia descendentes de judeus que nunca disseram que eram judeus e só fiquei sabendo de suas origens muitos e muitos anos depois.
Até meu tio era judeu e nem minha tia sabia. E também descobri por uma foto antiga que estava na gaveta de uma grande camiseira que aquele homem de barba preta comprida e um chapelão preto não era outra coisa senão um Rabino que era Tataravô de minha mãe.
Quanta coisa descobri ao longo da vida...
A Estação em Ribeirão Preto era linda e muito grande. Não havia ninguém de minha família me esperando... Fiquei nervoso e com muito medo, a cidade era muito grande.
Havia Táxis à espera dos viajantes e até algumas charretinhas puxadas por cavalos. Eu ainda não sabia andar direito naquelas ruas até a casa de meu avô e também não sabia se meu dinheiro daria para pagar o táxi. Então, tomei a charretinha e fui até a casa de vovô. No trajeto fiquei observando as pessoas, muitas pessoas pelas ruas... pessoas bonitas, bem arrumadas, apressadas,... as ruas todas com calçamentos,... tudo muito diferente da minha cidade, estudantes uniformizados saindo de suas escolas...
- Amanhã, pensei, meu tio vai me levar à escola onde irei conversar com o Diretor. Vou ter que fazer um exame escrito ou oral para tentar uma vaga naquela escola !...
O Diretor era um homem grande, forte, sério... Senti tremedeira e comecei a gaguejar quando começamos a conversar. Pediu-me que mostrasse o Histórico Escolar o que fiz prontamente. Ele leu, releu, olhou tudo, olhou tudo de novo e, finalmente comentou:
- Você só tem ótimas notas !. Não precisa fazer exames, sua vaga já está garantida e você já pode começar as aulas !.
Meu tio ficou muito orgulhoso e feliz e disparou muitos elogios abraçando-me com muito carinho. Claro, eu fiquei muito contente com tudo aquilo pois temia causar alguma decepção já que eu vinha de uma cidade tão pequena e, até então, não me sentia à altura dos estudantes daquela cidade que eu imaginava fossem exemplares alunos. Ledo engano, descobri mais tarde: eu realmente era um excelente aluno e sabia muito de todas as matérias e até falava corretamente os idiomas Inglês, Francês, Espanhol,... enquanto que aqueles daquela grande cidade mal pronunciavam uma palavra ou outra em outro idioma, claro com raras exceções !.
Voltei pra casa de vovô que já me aguardava ansioso... Pensei: "eu sou o máximo" e vovô vai ficar muito feliz !.
E foi assim mesmo: meu tio, primeiro passou em sua casa contou tudo para titia e meu primo que já fazia a Faculdade e em seguida fomos todos dar a notícia a meus avós. Foi uma grande festa, meu coração disparado de alegria e emoção !. Meus avós não se continham de felicidade e imediatamente começaram a ligar para meus pais, parentes e amigos para contar tudo aquilo maravilhoso que estava acontecendo !.
UFAaaaa.... ! Que alívio !. Toda aquela ansiedade, o medo, toda aquela sensação estranha que tomava conta de mim desde aquele momento em que cheguei à Estação do Trem da minha cidade começou a se desfazer a partir daquele instante. Agora, pensei, falta encarar os novos colegas na escola e conseguir ser aceito por eles !.
Dona Herculina era a Professora de Inglês. Era muito inteligente, muito alegre e muito bondosa, além de muito compreensiva.
Eu estava sentado em uma carteira no meio de uma fileira pois ali naquele colegial (Científico) as garotas ocupavam todas as carteiras da frente e os rapazes sentavam-se somente nas carteiras seguintes. Na minha frente sentava-se uma garota loirinha de nome Maria Lúcia. Ela era tímida, muito estudiosa e muito boazinha e ficamos bons amigos.
Certo dia, Dona Herculina foi chamada para uma reunião de professores com o Diretor. Então ela voltou-se para a classe e perguntou aos alunos se alguém poderia continuar dando a aula de Inglês enquanto ela estivesse na reunião... Bem, como ninguém se manifestou - claro que por medo, ela que já conhecia mais ou menos os alunos, convidou-me para substituí-la... Que sorte: eu adorava Idiomas e sabia tudo de Inglês e, para melhorar, a aula era apenas de gramática, coisas simples que pude apresentar sem problemas.
Eu era filho de Professora, sobrinho de professores e já havia dado aulas particulares de várias matérias, inclusive Idiomas, para meus colegas de Ginásio.
SUCESSO: as garotas do Científico ficaram maravilhadas com minha aula e já ficaram minhas amigas, enquanto que os rapazes ficaram com muita inveja e não muito meus amigos. Dona Herculina gostava muito de mim e dizia que sempre que ela não pudesse dar aulas eu deveria substitui-la !.
Voltei pra casa e contei tudo a meus avós e tios... Ganhei um uniforme novo, roupas novas e até um par de sapatos novinho que meu avô, muito orgulhoso, fez questão de comprar. Apesar que eu não era o neto mais velho, sempre fui o preferido pois, além de morar com meu avô, tenho o mesmo nome dele.
Passei logo mais a fazer parte de um Grupo de Teatro do Colégio, de um outro grupo de música que tinha uma banda e do time de futebol. Em tudo esmerava para ser o melhor !. Fiz muitos amigos logo, já não era um estranho em tão pouco tempo e já não me lembrava com tanta saudade daquele dia que cheguei à Estação do Trem tão triste por deixar minha cidade e meus amigos. Nova vida se iniciava naqueles momentos, muitos planos, muitas atividades, muita alegria !.
Certo dia, em Setembro um colega de nome José Berdu, morador de Franca, convidou-me a passar o final de semana na praia, em Santos, pois ele tinha tios que moravam lá. Eu nunca tinha visto o Mar e ficava imaginando: " será que as águas do mar são azuis mesmo ? ".
Berdu era um bom amigo, então convenci meus avós a me deixarem ir naquele passeio onde também foram outros colegas do Científico. Fomos de ônibus até São Paulo e de lá em outro ônibus até Santos.
Quando estávamos chegando em Santos, minha emoção era tanta que parecia que meu coração ia pular pela boca: Eu nunca tinha visto o Mar !.
Já na descida da Serra avistava-se o mar, mas eu não podia ter boa noção pois era uma visão muito distante... Chegando na cidade, em uma avenida que terminava na avenida do mar,... avistei pela primeira vez aquela imensidão nas águas do mar que ia e voltava, que ia e voltava e assim dando compasso à minha respiração ofegante e às batidas do meu coração !.
Quanto progresso: Alguns dias atrás eu brincava nas ruas mal calçadas de minha cidadezinha ... !.
Os parentes de José Berdu eram argentinos, mal falavam o português. Então descobri naquele dia que também os pais de Berdu eram argentinos e, portanto, Berdu foi o primeiro Argentino que conheci e que nunca desconfiei que não fosse brasileiro. Engraçado, uma coisa tão simples, tão boba e eu ali dando tanta importância tentando dialogar com seus tios no idioma castelhano já que eu também havia aprendido no Ginásio. Fiquei em êxtase: pela primeira vez na vida eu conversava com um estrangeiro no idioma do estrangeiro !. E eles ficaram admirados e muito contentes com aquilo e, imagino que, por tal situação, prepararam uma mesa com um farto lanche com muitas frutas, pães, salgados, bolos e um tal de "ramón" que eu jurava que era um presunto mal passado (risos) !.
Foram cinco dias maravilhosos em Santos na casa dos tios de Berdu.
Já no primeiro dia, fomos à praia: Engraçado, havia um lugar onde as pessoas trocavam de roupas e alugavam uma pequena "cabine" (um pequeno armário) para deixar roupas e pertences. Nunca imaginei uma coisa dessas.
Na praia, muitas pessoas tomando sol, banhando naquelas águas " QUE NÃO ERAM AZUIS", jogando futebol, volei e outras brincadeiras, fazendo piquenique (famosos frango com farofa), ouvindo músicas, dançando, cantando... QUE MUNDO ENCANTADO que eu não imaginava existir.
As garotas !. Ah, as garotas !. Elas usavam maiôs, algumas já usavam biquinis,... aqueles corpos lindos bronzeados... Eu nunca tinha visto uma garota de maiô, menos ainda de biquini "ao vivo", pois minha cidade não tinha praia, não tinha clube com piscina,... só as Revistas como O CRUZEIRO que por vezes mostravam fotos discretas de algumas Celebridades Nacionais ou Internacionais.
Ah que garotas lindas de biquini !.
- Ei rapaz, seu queixo vai cair. Você é mesmo um "CAIPIRA" ! Nunca viu uma mulher de biquini ?
- Não Berdu, eu nunca vi.
- Nunca foi ao Clube em Ribeirão ? Lá está cheio de garotas...
- Não, ainda não fui. Não sou sócio. Mas meu tio é e quando voltarmos vou pedir pra ele...
- Então relaxa e vamos tomar um suco...
Andando pela praia, avistei uma linda garota saindo das águas com biquini vermelho que não era possível não ser notada. Parei e fiquei admirando... Ela percebeu e começou a sorrir...
Nossos amigos resolveram jogar vôlei de praia. Eu não conseguia me concentrar naquele jogo pois aquela garota estava sentada perto de nós e nos observava.
Meus amigos também notaram que ela olhava para nós. Então, cada um já imaginou ser o responsável pelo interesse da moça. Bem,... eu também achei que o assunto não era nada comigo e fiquei olhando a moça que continuava sorrindo.
- "Caipô"... ô "caipô" ela está dando bola pra você, vai lá conversar com ela. Vai lá "caipô".
Bem, eles estavam me tratando de caipira porque eu não conhecia tantas coisas que passei a conhecer com eles e assim, por eu ser "tão caipira", quero dizer, ignorante, passei a ser chamado de "caipô" !. Mas, será que ela estava mesmo olhando pra mim ?. Com muito medo, mas tentando provar aos meus amigos que eu era "o máximo" fui lá conversar com ela.
- Oi, tudo bem ?
- Oi, tudo. Notei que você estava me paquerando...
- Paquerando ? Eu ?
- Sim, você. Como se chama ?
Assustado, olhei para trás onde estavam meus amigos. Eles todos parados olhando o que iria acontecer e, com certeza, apostando que eu iria me dar mal com aquela moça.
- Eles me chamam de "Caipô" porque eu nasci em uma cidadezinha muito pequena perto de Ribeirão onde estou estudando. São meus colegas do Científico... Meu nome ?
- Sim, como você se chama ?. Sabe eu também estava olhando pra você,... você tem cabelos muito bonitos, loiros, você é legal !.
- Sou ? Você acha ?
- Você tem namorada ?.
- Bem,... não, não tenho, mas,...
- Eu também não tenho namorado. Terminei com meu namorado já faz tempo...
- Ah,... é ?. E você mora aqui ?.
- Não. Eu moro em São Paulo mas temos um apto. aqui em Santos.
- Seus pais estão aqui com você ?
- Não. Meu pai é falecido. Minha mãe está em casa. Ela não gosta da praia e está fazendo almoço.
- Ah,.. legal...
- Você vai almoçar onde ?
- Não sei. Talvez na casa dos tios do Berdu ou então vamos tomar um lanche em algum lugar...
- Você não gostaria de almoçar em minha casa ?. Aposto que minha mãe vai gostar de você !.
- Bem,.. não sei... Meus amigos...
- Deixa eles pra lá, estou vendo que eles estão apostando que você não ia conversar comigo.
- É, você tem razão. Então tá. Vamos lá. Mas é longe ? Eu não sei voltar...
- Não se preocupe, diga a eles que vai almoçar em minha casa e que depois voltaremos aqui...
Fiquei ofegante !. Estufei o peito, mexi nos cabelos fiz uma pose de Alan Delon e fui conversar com meus amigos:
- Olha aí seus idiotas: ela me convidou pra almoçar na casa dela. Vocês vão comer pão com mortadela que eu vou comer uma lasanha !.
Ficaram boquiabertos olhando-nos saindo da praia em direção ao prédio aonde estava sua mãe.
- Mãe, esse é meu amigo que conheci na praia. Ele veio almoçar conosco. Ele é de Ribeirão Preto.
- Ah, meu filho. Você é de Ribeirão Preto ? Nossa, tenho parentes lá, quem sabe você os conhece...
- Bem, Senhora, sou novo em Ribeirão. Não conheço ninguém ainda além de meus colegas de escola.
- Ah, mas minha família é grande. Meu ex-marido nasceu lá...
- Quem sabe ? Talvez eu conheça...
Ela citou vários nomes e, infelizmente, eu não conhecia mesmo...
O almoço estava uma delícia, o ambiente muito familiar e respeitoso. Dona Marisa era Evangélica e em tudo que dizia demonstrava suas convicções religiosas o que me fez pensar muito no respeito que eu deveria ter com ela, com sua casa e principalmente com sua filha. Foi por isso que entendi porque aquela moça - Eliane, era tão educada e atenciosa: ela era muito religiosa e muito carinhosa !.
Após o almoço, voltamos à praia onde meus amigos já nos esperavam. Fomos ao encontro deles e apresentei Eliane a todos. Ficamos horas conversando juntos, brincando, entrando e saindo nas águas do mar... até que ao final da tarde Eliane despediu-se de nós e convidou-me para ir ouvir músicas.
Bem,... imagino que possam imaginar o que eu estava sentindo com tudo aquilo acontecendo sem esperar e, mais ainda, o que meus amigos que me tratavam como "caipira" estavam imaginando ao meu respeito: " aquele safado disse que é o Alan Delon, e nós aqui mordendo os dedos... !".
Eliane era uma linda moça. Pele bronzeada, faces rosadas, olhos verdes, um corpo maravilhoso !. Estava vestindo uma saia florida que marcava bem seus contornos... Um perfume suave e discreto... Sua mãe sempre em roupa preta, como se estivesse sempre de luto, porém tranquila e sorrindo.
Eliane tinha um pequeno "toca-discos" portátil e colocou um disco para ouvirmos !. Era um dos sucessos da época que mais tarde veio a ser o tema de um filme muito famoso com Dustin Hoffman e John Voight - "Midnight Cowboy ! ".
Eu ainda não tinha ouvido aquela música e comecei a traduzir a letra enquanto ouvia... Eliane então convidou-me para dançar. Enquanto iam cantando a música eu ia traduzindo a letra a seus ouvidos... !
Dona Marisa ficou observando e, certamente, preocupada com o que estava acontecendo: estávamos dançando cada vez mais perto um do outro com nossos corpos colados sem má intenção ou que percebêssemos a situação !.
A música parou de tocar e continuamos ali abraçados, em silêncio, atônitos com os olhares fixos um no outro... !.
Pensava naquela música tão envolvente e em sua letra, enquanto ainda mantinha Eliane em meus braços... Parecia contar minha história até aquele momento, desde que deixei Tambaú - minha querida cidade natal, não em um ônibus, mas em um Trem - que só me mostrou maravilhas pelo caminho, ... nos meus amigos que lá deixei, meus lugares secretos onde ia brincar, o clube onde ia dançar, meus professores, meus sonhos, minha vontade de beijar aquela garota que lá deixei,... os meus novos amigos em Ribeirão, os desafios porque passei para ser aceito, o quanto me esforcei para não decepcionar meus pais, avós, parentes e amigos, aquela primeira viagem sozinho a Santos,.. a praia, o Sol, o Mar,... Eliane em meus braços, ... e aqueles amigos lá fora pensando não sei o quê de mim, mas certamente com muita inveja !.
A música dizia o que na verdade estava acontecendo em minha vida:
- " Deviam estar me observando, falando de mim, embora eu não pudesse ouvir suas vozes mas pudesse entender o que queriam dizer, apenas pela sombra de seus olhos, enquanto eu ali, sem nunca ter planejado, sentindo o Sol brilhando e refrescando-me nas águas daquele mar e ao som de uma linda música dançando com uma princesa - Eliane, que acelerava meu coração e minha mente e tudo era um grande eco de felicidade ... motivando-me a não deixar meu amor para trás. Eu sei que estão falando de mim,... não importa o que estejam falando porque eu não vou deixar meu amor passar ! ".
Eliane - crédito: alessandroguerriero.fotosearch.com.br
Everybody's Talkin' - Midnight Cowboy - Harry Nilsson
Raul Ramos Neves de Abreu
23 Agosto 2015