Levantei bem cedo e logo fui
tomar um banho bem gostoso para refrescar todo o calor que faz nesta primavera
e nesta cidade tão quente que é Ribeirão Preto.
Um sabonete bem cheiroso e refrescante, claro,... só poderia mesmo usar
algo de melhor qualidade para sentir-me bem e ir apresentar-me bem disposto naquela
salinha acanhada e muito quente onde estava a Urna de Votação para cumprir com
o dever de cidadão.
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Lembrei-me de algumas pessoas
muito importantes em minha vida:
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Minha mãe estava com 86 anos de
idade quando foi cumprir seu dever de votar. Naquele dia eu tentei dissuadi-la
daquele compromisso, pois o calor estava intenso e poderia prejudicá-la já que
ela queria ir até o local “caminhando a pé”, negando-se a ir de carro com a
justificativa que precisava fazer exercícios sempre para estar sempre bem !
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Não gostei muito de acompanhá-la
daquela maneira, pois ela era muito vagarosa e isso me deixava muito cansado e
inquieto (sem paciência). Mas,... lá fomos nós ... e naquele local as pessoas
não paravam de elogiá-la pela disposição e pela demonstração de cidadania que
sempre a distinguiu em todas as suas atitudes como professora, como mulher, amiga,
conselheira e pessoa respeitável que sempre foi.
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Restou-me, portanto, admirar o
valor daquela mulher e envaidecer-me por ser seu filho. Ela sempre dizia:
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- “ Não espere e não cobre por
exemplos alheios, mas aja e seja sempre
como espelho refletindo apenas o respeito,
boas ações e bom comportamento, pois somente assim será um homem
digno e alcançará a sua
felicidade ! A grande mudança que as
pessoas desejam ver, deve começar no próprio interior de cada um, ... dando bons
exemplos ! ”
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Balancei a cabeça e já estava
entrando naquela salinha apertada, quente, acanhada ... e lá estavam várias
pessoas trabalhando em pleno domingo, desde bem cedo até bem tarde,...
Receberam-me com sorrisos, cumprimentando-me com alegria... Emocionei-me vendo,
como dizia mamãe, pessoas que eu não conhecia demonstrando bons exemplos com alegria,
respeito, bom humor, disposição...
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- Bom dia, Sr. Abreu. O Senhor é
sempre um dos primeiros...
- Sim, acho que devemos cumprir
nossas obrigações em primeiro lugar... Mas aqui está tão quente, como vocês
estão aguentando ... Vocês estão bem ?
- Sempre bem,... Sempre bem,... faça chuva ou
faça sol ! Sempre bem ! (respondeu-me a mocinha, enquanto os demais sorriam
espontaneamente).
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Fiquei pensando... Um domingo lindo como o de hoje, muito sol, típico para um passeio, um lazer no clube, uma festinha em família - o tradicional churrasco, ... música alegre,... alegria,...alegria,... e aquelas pessoas ali, alegres, felizes, voluntariamente cumprimento o dever cívico e, acima de tudo, esboçando um sorriso de boas-vindas contagiante às pessoas que ali chegavam, essas nem sempre com a mesma vibração de bem estar, disposição, alegria... mas aqueles com o sentimento solidário e de bem querer à Cidade, à Pátria, ao simples fato do bem querer mesmo com a cansativa jornada do "entrar muito mais cedo e chegar, não importando a hora, quando o trabalho terminar. Muito bonito, um exemplo que emociona e que só nos faz bem ! Não sei os seus nomes,... mas gostaria de homenageá-los !
Lembrei-me da máxima : " Fazer o bem, sem se importar a quem ! "
Lembrei-me da máxima : " Fazer o bem, sem se importar a quem ! "
SEMPRE BEM ! SEMPRE BEM !
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Aquela frase levou-me
imediatamente para bem longe no tempo, trazendo-me a lembrança tão agradável de uma
Senhorinha, mais idosa que minha mãe, que era a mantenedora de uma Instituição
onde cuidava, como seus próprios filhos, de cerca de 250 crianças e também uns
20 velhinhos !
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A Instituição, conhecida como LAR
DA MAMÃE CLORY, iniciou-se em 1968 em Andradina quando Mamãe Clory recebeu um
pedido de um senhor, pedreiro, para que ela cuidasse de seu sobrinho Robertinho
de apenas um ano de idade, pois sua mãe havia falecido e o pai não tinha
recursos e nem tempo disponível para cuidar do menino já que era um mecânico e
deixava o menino “amarrado” ao pé da mesa desde o momento que saía para o
trabalho até o momento que voltava... Triste,... muito triste,...
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Mamãe Clory imediatamente acolheu
Robertinho e tratou dele durante toda vida, dando não só alimento, moradia,
escola,... mas principalmente muito amor. Robertinho só começou a falar com oito
anos de idade,... Hoje é casado, tem filhos é um trabalhador, honesto e digno
de exemplos.
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Quando souberam naquela cidade
que aquela senhora havia abrigado o menino, começaram a levar, ou deixar na
porta, outras crianças em situações extremamente delicadas... E assim,... Já
nos anos 70 Mamãe Clory mantinha 250 crianças, com toda sorte de situações de
origem, do estado de saúde física e mental...
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- Mamãe Clory, a senhora está bem
?
- Sempre bem,... Meu filhinho,... Sempre bem ! Com a graça de Deus...
SEMPRE BEM !
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Quando a conheci, em 1969, ela já se
tratava de problemas cardíacos mas, mesmo assim, a sua disposição para atender
todos os seus “filhinhos”, como carinhosamente os chamava, estava sempre acima
de qualquer problema que ela dizia que “apenas
o bom pensamento, a boa vontade, a fé e
o amor ao próximo” eram mais que
suficientes para que sua saúde estivesse “ Sempre Bem ! “
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Mamãe Clory era filha de
fazendeiros do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso e dispôs todos os seus
recursos materiais para o bem-estar de tantas crianças que durante todos os
anos, desde 1968 até 2011 passaram ou ainda permanecem na Instituição –
Associação Cristã Verdade e Luz sediada em São Bernardo do Campo.
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Apesar de acometida de um câncer
que durante anos tentava diminuir suas forças,... Foi o coração que a levou
para a “outra vida” enquanto ela serena e com sorriso dizia a todos que a
acompanhavam: “ Meus filhinhos,... sempre bem,... sempre bem,... com a
Graça de
Deus !”
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Em 1969, trabalhando na
Volkswagen do Brasil, comecei a estudar o idioma alemão. O professor era um Senhorzinho
muito simpático, com um sotaque alemão bem engraçado, sempre sorrindo e sempre
gentil...
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VON AMMON, como o chamávamos, era
Engenheiro, mas, acredito que devido à idade, dedicava-se apenas a lecionar o idioma
alemão. Eu gostava muito de conversar com ele, pois ele sempre contava
histórias muito interessantes sobre a Alemanha do período de guerra e das
situações das pessoas... Ele era muito solidário e, pareceu-me, sofreu muito
durante aquele período, pois acreditava que o mundo precisava de amor e paz e
não de demonstrações de diferenças que levavam ao ódio...
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Ele dizia que era Parapsicólogo e
que praticava exercícios mentais de tal forma que conseguia controlar emoções,
ansiedades,... situações que não levavam ao bem estar... Interessei-me em saber
mais sobre “essas coisas” dizendo a ele que eu sofria de “enxaqueca” e que não conseguia
ficar sem um remédio que mais mal fazia (efeitos colaterais), pois eu ficava
apavorado quando começa a ter os sintomas de uma nova enxaqueca...
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Von Ammon acalmava-me dizendo que
a “força do pensamento” era um remédio que resolveria qualquer mal fosse físico,
mental, ou comportamental e que um dia, assim que tivesse tempo disponível, iria
ensinar algumas coisas (técnicas) de como praticar essa força e dominar
qualquer problema...
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Ele era cardíaco e eu presenciei
várias vezes quando ele estava tendo um ataque e não estava com a medicação...
Ele parava, colocava a mão sobre a testa, meditava,... meditava,... e de
repente olhava para nós, alunos, e esboçava um grande sorriso convidando-nos a
continuar a aula de alemão !
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- Von Ammon, o Senhor está bem ?
- Sim, meu filho ! Estou bem !
Graças a Deus,... estou bem !
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O coração de Von Ammon parecia
não gostar de ser vencido todas as vezes que tentava abater o “bom velhinho”...
E foi vencido definitivamente, pois certo dia ele esperava o elevador no
terceiro andar do prédio, na própria Volkswagen,... talvez estivesse enguiçado
ou talvez pessoas estivessem segurando aquele elevador... Von Ammon estava com
pressa e resolveu descer a pé aqueles andares,... Ele escorregou e rolou
degraus abaixo batendo fortemente com a cabeça ferindo-se fatalmente.
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Enquanto pessoas corriam para
socorrê-lo, ele ainda olhou a sua volta, talvez nem conseguindo ver as pessoas adequadamente...
E despediu-se desta vida com um sorriso sereno como se fosse o merecido sono do
descanso eterno !
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SEMPRE BEM,... SEMPRE BEM... !
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- Mas aqui está tão quente, como
vocês estão aguentando ... Vocês estão bem ?
- Sempre bem,... faça chuva ou
faça sol ! Sempre bem ! (respondeu-me a mocinha, enquanto os demais sorriam
espontaneamente)
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... “ Eles acreditavam em Anjos e,... porque acreditavam,... Eles
existiam !” (Clarisse Lispector)
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Raul Neves Abreu
28 / 20 / 2012