sexta-feira, 1 de agosto de 2014

COITADA DA VELHINHA - UMA QUESTÃO DE SEMÂNTICA

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Não me perguntem por que usei a palavra “SEMÂNTICA” para contar a história da velhinha. Eu não sei o que é semântica, mas achei que é uma palavra muito  “ROMÂNTICA” e coisa que é romântica serve para qualquer coisa !. Tenho dito. Pronto. Falei !.
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Nasci no interiôôôrrrr e por isso dizem que sou caipira. Mas eu não falo “pórta abérta, calôôôrrr, dotôôôrrrr... etc.” tudo isso porque meus avós eram CARIOCAS e falavam de forma chique do tipo: “poisx, talveizxx, Robérrreeetooo, Mêrrimão, etc.”. Meus amigos de lá falavam meu nome “Raurrrr” o meu irmão “Jérfi”, tudo bem carregado nos “R” e bem acentuadamente.
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Então, nada a ver comigo, havia a mocinha de nome Maria, filha de João e Maria, que havia nascido na roça. Tinha várias irmãs e irmãos: Maria Aparecida, Maria José, Maria Antônia, Maria das Dores (acho que foi por causa do parto), Maria do Carmo, José, José Antônio, José Roberto, José Paulo e, finalmente a nossa Maria personagem deste conto que foi batizada com o nome de Maria da Conceição Rita da Silva.

MARIA DA CONCEIÇÃO
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Certo dia, Seu João arranjou um emprego de doméstica para Maria na casa de Dona Alberta, uma senhora de mais de oitenta anos (80) de idade que já estava bem velhinha e vivia sozinha, pois seus filhos  moravam na Capital.
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Maria fazia de tudo: lavava e passava a roupa, fazia a comida, limpava a casa e ainda cuidava de Dona Alberta. Eram boas amigas.
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Dona Alberta sempre ensinava as coisas para a Maria que não tinha sido alfabetizada. E assim, de letra em letra, palavra em palavra, ia Dona Alberta com Maria todos os dias...
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Seu Sebastião era professor e muito amigo da família de Dona Alberta e, vez em quando, visitava aquela doce senhora e ajudava também na educação de Maria. Ele era um cavalheiro, bonitão, alto, muito educado e bem casado (já vou dando a “ficha dele” pra ninguém me cobrar de ter colocado o homem na história).
Professor Sebastião
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Contava histórias para Maria a fim de que ela pudesse aprender cada vez mais as coisas da gramática e ortografia, forma de se comunicar, além de conhecimentos gerais.
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Maria, com seu jeito simples, dizia tudo à sua moda conforme havia aprendido na roça: Pórta abérta, tórta de frango, ninguém simpórta,... trepei na jabuticabeira...
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- Opa! Trepei na jabuticabeira ? Não é assim que se diz Maria. Uma moça educada deve dizer: Subi na jabuticabeira, escalei a jabuticabeira, fui ao tôpo ...
- Nossa, Seu Sebastião que coisa esquisita: nóis tem que falar desse jeito ?
- Tem sim Maria. Desta forma você será sempre bem vista pelas pessoas. E tem outras coisas que vou lhe ensinar com o tempo.
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E assim, durante alguns meses, ia a vida na casa de Dona Alberta com a Maria e os ensinamentos gerais...
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Um dia Maria viu o gatinho de Dona Alberta morto caído no chão e quando chegou seu Sebastião foi logo dizendo:
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- Ai, Seu Sebastião o gatinho da Dona Alberta trepou no telhado pra pegar um ratinho, escorregou e caiu mortinho no chão. O que é que eu faço agora para avisar a Dona Alberta ?
- Maria, vou lhe ensinar uma coisa: Não é assim que se fala: “trepou”. Eu já lhe ensinei, você deve dizer “ o gato subiu no telhado” que fica uma forma mais educada. Então, quando você for contar para a Dona Alberta, fale bem calmo para ela não sofrer e diga:  “ Ah, Dona Alberta, o coitadinho do seu gatinho subiu no telhado para pegar um ratinho !” E quando ela perguntar se ele pegou o ratinho, você responde: “ acho que não Dona Alberta porque o coitadinho está lá caído no chão !.” Assim, Dona Alberta já vai entender que o gatinho morreu. Entendeu ?
- Ah, entendi Seu Sebastião. O gato subiu no telhado... Está bem. Aprendi.
O Gatinho de Dona Alberta
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Passados alguns dias, Maria chegou para o trabalho e percebeu um silêncio enorme na casa. Foi ao quarto de Dona Alberta e viu que a coitada estava quietinha na cama. Aproximou-se para acordar a velhinha, mas ela já estava morta. Coitadinha, morreu sem fazer nenhum barulho, sem sofrer, como um Anjinho. Maria, desesperada, foi logo avisar um parente próximo de Dona Alberta que estava tomando café na padaria. E foi logo gritando, à sua maneira, lembrando dos ensinamentos que Seu Sebastião havia falado sobre o gato, que ela deveria usar de sutileza para contar sobre a morte.
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- Seu Zé,... Seu Zé,... sua tia a Dona Alberta,... sua tia Dona Alberta...
- O que foi, Maria ?. Conta logo...
- Sua tia trepou no telhado pra pegar  um gato ! É Seu Zé,... coitada. Ela trepou com o gato no telhado...
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O povo todo que estava na padaria, arregalou os olhos !.
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Seu Zé, sem jeito e envergonhado, não entendendo nada o que Maria dizia, correu para a casa da tia para ver o que havia acontecido. Coitada: estava “mortinha da silva” !. Então ele já foi até a Funerária local para providenciar tudo que deveria ser feito e começou a avisar a família e os amigos.
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O pessoal da padaria começou a comentar:
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- Nossa, a velhinha bateu as botas !
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Quando Dona Alberta já estava no velório, todos os conhecidos já comentavam o ocorrido:
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- Estão dizendo que a coitada estava doente...
- Não foi isso não, parece que ela estava bem mas morreu de morte súbita enquanto dormia...
- Ih, pessoal, lá na padaria a Maria falou que ela estava trepada no telhado...
- No telhado ? Fazendo o quê ?
- Parece que foi atrás de um gato !
- Um gato ?
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As fofoqueiras olharam com aquele sorrisinho maldoso e já começaram;
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- Sempre achei aquela velha muito assanhada...
- Ih, eu já vi ela dando em cima do meu marido...
- Onde já se viu uma velha daquela idade querer um “gato” pra farrear ?
- Bem feito ! Sirigaita que nunca me enganou !
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E assim passaram as horas, com todo o tipo de comentário até o momento final !.
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Dona Alberta, coitada, morreu pura como água cristalina da fonte mas, por uma questão “romântica de semântica” passou a ser comentada pelas senhorinhas de boa reputação como “A velha assanhada que morreu por que trepou com um Gato !.”
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E a Maria, coitadinha,... voltou para a roça, ficou louca e está lá até hoje falando sozinha: “ o gato trepou no telhado,... o gato trepou no telhado...!”.
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Raul de Abreu
01 Agosto 2014

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