domingo, 19 de janeiro de 2014

AZULÃO E ZEBRADO

Azulão e Zebrado eram os dois times de futebol amador da cidade.

Não ficará bem revelar os nomes verdadeiros desses times e nem mesmo o da cidadezinha para não constrangermos e nem corrermos riscos da antipatia e cobrança judicial de algum personagem “fictício” que vamos inventar.

Entretanto, não deverá comprometer nada dizer que as cores de seus uniformes eram, do primeiro, de um lindo azul anil varonil - daí o nome AZULÃO e, do segundo, de um simplesinho listrado em preto e branco, daí o nome ZEBRADO.

Ainda, que a cidadezinha era conhecida como a Capital das Chaminés Fumegantes, que os zebrados representavam a classe “operária”, enquanto que os azuis, a “união” da casta nobre.

Era um domingo ensolarado e iria acontecer o famoso “Derby” entre as duas equipes que dividiam a população em paixões incontroláveis. Também eram torcedores fanáticos, o padre, o sacristão, o coroinha, as beatas,o cachorro, o periquito, o papagaio... ufa,... enfim, ... todas as pessoas da cidade.

Durante a semana que antecedia o encontro, não havia outro assunto senão apenas o Derby.

- “Nosso esquadrão vai ter o Faísca que virá especialmente ”papar“as galinhas operárias !”
- “Seu filho da mãe, somos operários, mas não somos cornos !”
- “Mas,... tua mãe é falada lá na fábrica do meu pai, ... Seu Goiaba !”.
- “E o teu pai que gosta de engolir a cobra ? ... Seu Muzambinho ?”.

Provocações e agressões apaixonadas à parte, a verdade era que irmãos odiavam-se quando torciam por times diferentes.

Havia um fazendeiro de gado e café, muito tradicional, que pouco freqüentava a cidade já que possuía uma magnífica Mansão na Avenida Brasil na capital – São Paulo. Aliás, quase todos os prósperos fazendeiros viviam mais na capital em suas mansões que em suas fazendas. Eram, em sua maioria, como casta nobre, torcedores daquele time que representava a união dos chamados “sangue azul”.
FAZENDEIRO - PAI DE CARLINHOS

Frau Ingrid - a mãe de Carlinhos

Antonio Carlos, filho do casal, com cerca de 20 anos de idade, dirigia seu carro conversível Sinca Chambord, ultimo tipo, luxuoso, todo equipado, atraindo todas as garotas da cidade.

CARLINHOS

Levava umas 7 ou 8 garotas em seu carro, todas uniformizadas com as cores do Azulão e agitando bandeirolas, enquanto a garotada vinha correndo atrás gritando frases de provocação contra os torcedores contrários;

- “... um, dois, três, zebrado é freguês! Um, dois, três, zebrado é freguês.”

Ninguém tinha coragem de responder àquelas provocações, pois Antonio Carlos era filho do fazendeiro mais próspero, além de industrial que empregava muitos operários.

Estacionou o carro na praça da Igreja e ficou tomando uísque importado, ouvindo músicas estrangeiras, enquanto que as garotas Torcedoras, com suas diversas alegorias agitavam nas ruas formando um grupo de fãs que aumentava a cada momento.

Também pudera: .... cada torcedora linda... !!!

TORCEDORAS DO AZULÃO
Enquanto as torcedoras faziam suas calorosas manifestações, Carlinhos, bom menino, estava em seu carro tomando uisque e  ouvindo músicas no seu Toca Fitas de Cartucho da marca "Muntz", alemão legítimo, De repente...

- “Oi, Carlinhos. Que lindo carro você tem ! Ele corre muito?”

Era Dona Licinha, a esposa do Delegado que tinha vindo da capital fazia uns 2 anos.

Linda, esbelta, uns 25 anos de idade, cabelos compridos castanho-dourados, com uma calça justa, blusa colante exibindo as formas de seu belo tronco, um sorriso sensual...

O Delegado, gordão, cara de “João Bobo”, pés chatos, calvo, branquelo, mais feio e mais chato que o Jô Soares, dentuço... e torcedor do ZEBRADO, mas... filho de um coronel em pleno regime militar !

- “Oi Dona Licinha,... quer dar uma voltinha ?”

Ela não esperou nem um segundo, sentou-se ao lado de Carlinhos, colocou um lenço nos cabelos, óculos Ray-ban, cigarro com filtro e piteira, um olhar de superioridade e disse:

- “Toca pra estrada !”

Todo mundo ficou ali besta de ver aquele carrão em disparada saindo da cidade, naquela estrada de terra, levantando um poeirão e sumindo na curva da montanha.

Ninguém ficou sabendo de verdade o que aconteceu enquanto ficaram ausentes da cidade por umas 2 ou 3 horas. Há quem diga tanta coisa...

Ela desceu do carro com um sorriso bem sacana, tirou os óculos, deu uma piscadela, ... tirou o lenço dos cabelos, agitou-o e saiu requebrando olhando para os lados causando inveja naquelas outras garotinhas que ficaram ali pasmas daquela ousadia.

Antonio Carlos foi embora para a fazenda deixando para trás aquelas mocinhas que havia levado para “agitar” a cidade.

O que será que eles fizeram lá atrás da montanha ?

Os dias se passaram e chegou o tão esperado domingo. Mas, como de costume, logo pela manhã, a cidade toda participou de uma Procissão Religiosa para a preparação espiritual dos torcedores, jogadores e toda a população.

Tradicional Procissão Religiosa antes de jogos


Já no "Estádio de Futebol", que tinha a capacidade para quase 500 pessoas sentadas, o Delegado estava sentado no banco dos jogadores, ao lado do técnico do time. Chamou de lado o Árbitro (Juiz) da partida, levou-o ao centro do gramado, escoltado pelos 6 soldados que formavam o pelotão da cidade e “confabulou” com o Juiz qualquer coisa que ninguém nunca ficou sabendo.
O DELEGADO

Antonio Carlos, o “Carlinhos”, era o “Centro Avante” do time Azulão. Enquanto fazia aquecimento no gramado, era saudado pelos torcedores que admiravam suas qualidades técnicas e pelas torcedoras – fã clube, que eram desesperadamente apaixonadas por ele.

Dona Licinha, contrariando seu marido, estava na arquibancada com bandeirola do Azulão.

A comissão diretora do espetáculo, formada por diretores das duas agremiações, o Prefeito e Vereadores, o Padre e alguns assistentes e beatas, o Delegado, o Representante da Liga Esportiva, Jornalistas, até o Chicão Cocada – o maior cara-de-pau da cidade e tantos outros penetras, reuniram-se no centro do gramado enquanto faziam-se discursos e, finalmente, o Juiz lançava a moeda ao ar para que os times escolhessem suas posições.

Dona Concheta, senhora de destaque social e digna representante das famílias mais tradicionais, foi convidada a dar o pontapé inicial da partida e foi aplaudida por todos os presentes, como de costume, seguindo-se incessante bateria de fogos de artifício.


Dona Concheta

Iniciou-se o jogo. Cordialidade zero entre os jogadores.

O “Estádio” foi o dos zebrados e, naquele local, o “clima” geralmente não era nada hospitaleiro.

Carlinhos no campo dos Zebrados
(essa foto é confidencial)


Carlinhos, pegou a bola, driblou um zagueiro, dois, e chutou firme para o gol. O Goleiro conseguiu espalmar para escanteio.

O Delegado com um terno cinza e aquele enorme lenço tentava secar o suor do seu pescoço, gritando para o Juiz:

- “ Não vai esquecer o que eu lhe falei senão eu boto o Sr. no Xadrez.”

O ponta direita do Azulão foi cobrar o escanteio e Carlinhos cabeceou a bola para o fundo da rede!

GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLL !!!

O Juiz marcou o centro do campo. Validou o gol.

O Delegado, desesperado, com seu pelotão de fuzilamento, entrou correndo no campo, parecendo uma Anta no Cio e bradou:

- “ Seu filho da puta, o gol não valeu. O jogador estava impedido. Pode anular já esse gol e dar impedimento!”
- “ Mas, Seu Delegado,... não tem impedimento em cobrança de córner!’
- “ Se não tinha agora tem porque eu sou a Lei e se o Senhor não apitar esse impedimento eu vou impedi-lo de sair desta cidade hoje!”
- “ Senhor Delegado,... tenha paciência... eu até posso apitar um pênalti a favor do Zebrado,... e depois mais um ou dois se for preciso.”
- “ Eu não quero saber. O Senhor tem mais é que dar impedimento.”
- “ Bem, Seu Delegado,... isso eu não posso fazer, mas posso mandar cobrar o córner novamente alegando irregularidade da posição da bola. Assim, não acredito que façam gol novamente!”
- “ O Senhor é que sabe,... mas se o Azulão fizer gol o Senhor tem que dar impedimento!”

O Juiz morrendo de medo mandou cobrar o córner (escanteio) novamente alegando que a bola tinha sido chutada em local fora de posição.

Muitas reclamações dos azulões, porém, conhecedores da ira do Delegado acataram a determinação e repetiram a cobrança do “tiro de canto”:

Carlinhos novamente cabeceou a bola mandando-a para o fundo das redes.

GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLL !!!

O Delegado entrou em campo novamente, parecia um Elefante com espinho na pata, com aquela pança balançando pra lá e pra cá, soltando fogo pelas narinas e peidando fedido como um Camelo.

- “ Seu filho da puta, você tem que dar impedimento senão eu te boto em cana. E ainda te enquadro no AI-5 como Terrorista.”

O Padre foi falar com o Delegado e o Delegado estava tão irado quando viu sua esposa agitando com alegria pelo gol, que pegou o padre pelo colarinho:

O PADRE

- “ Olha aqui Seu Padreco duma figa puxa-saco de terrorista, eu estou sabendo que o Sr. está protegendo uns elementos suspeitos na sua paróquia e acho bom o Sr. falar logo pra esse Juizinho de merda pra anular esse gol senão o Senhor vai preso também!”

Não houve alternativas. Afinal, apesar de cara de João Bobo, Seu Delega era filho de General, que a essa hora já estava até sendo chamado até de Marechal e, como diz o velho ditado:

“ ... Manda quem pode e obedece quem tem juízo !”

Bem,... o time dos zebrados ganhou a partida de 1 x 0, com um gol de penalty inexistente aos 22 minutos do segundo tempo, momento em que a partida foi encerrada sob alegação do Sr. Dr. Delegado de “Falta de Segurança Nacional” no Estádio.

... Até aquele instante o Juiz já havia anulado 3 gols do time Azulão !

Mas, como “nada como um dia após o outro “ e considerando que a vida nada mais é que uma “Eterna Roda Gigante”, ... o pai de Carlinhos era amigo do Governador... !

E os “Marechais” estavam caindo da moda !...

O Delegado foi transferido no mês seguinte para algum lugar que ninguém ficou sabendo (se é que foi transferido) e nunca mais se falou do tal Marechal.

Ah,... e a Dona Licinha... ???

Você já viu como a Luma de Oliveira é linda e era lindíssima aos 20 e poucos anos ?

Dona Licinha era muito mais linda que Luma de Oliveira...

Onde será que ela foi parar ?

Dia desses procurei informações sobre uma pessoa que havia trabalhado na casa dos pais de Dona Licinha e fui parar em uma alfaiataria onde diziam que poderia descobrir alguma coisa já que o Alfaiate era a pessoa que sabia de tudo que se passava na cidade.

_ “ Ah... aquela moça que trabalhava naquela casa? Olha, aquele casal já faleceu faz muitos anos. Talvez a filha possa lhe dar alguma informação. Tenho aqui o endereço dela... Ela esteve algumas vezes aqui na cidade. Está ainda uma bela mulher, fez muitas plásticas, é viúva... e continua pedaço de mau caminho !”
- “ Ela ainda está viva? Aquela mulher era linda... Me dá logo o endereço aí que eu vou lá conferir,... afinal, quando ela passava eu era um moleque apaixonado por ela!”

Fui a São Paulo, naquela Avenida, naquela mansão, toquei o interfone:

-“Alô, o que o Sr. quer?”
- “Aqui é a residência da Dona Licinha? Eu gostaria muito de falar com ela!”
-“ Quem quer falar com ela?”
-“ Eu sou aquele moço, filho daquele casal que freqüentava a casa dela naquele tempo ... etc,... e eu gostaria muito conversar com ela sobre uma pessoa, a fulana de tal, que parece ter trabalhado na casa de pais dela, pois estou escrevendo um livro...”
-“ Eu sou Licinha, e não sei nada sobre aquela mulher. E agora estou muito ocupada atendendo uma pessoa.
Desligou o interfone e não quis me receber... Atendendo uma pessoa ? Será que ela era fisioterapeuta, analista, consultora, cartomante, ... ??? Estranho !!!

Lembrei-me daquele dia que ela sumiu naquele conversível de Carlinhos lá pelas curvas da montanha !!! Será que.... ??? Bem... isso é maldade pensar... Mas,... será ???Quem sabe em outra oportunidade eu bata naquela porta novamente, com o argumento de escrever sobre A MOÇA DO SINCA CHAMBORD e ela fique interessada.

Depois que Carlinhos foi embora da cidade para estudar na Europa, Dona Licinha comprou um Sinca Chambord conversível e aparecia na cidade vez em quando exibindo-se como que se procurasse alguma coisa perdida !

Não consigo esquecer que toda vez que ela passava naquele Sinca Chambord conversível, vermelho com estofamento em couro branco, eu ficava ali estático admirando aquela linda mulher de cabelos esvoaçantes, com aquele par de óculos Ray-ban e aquele lenço colorido no pescoço encantando a todos que a viam passar !

Dona Licinha

Como será que ela está agora? Fico imaginando ve-la novamente com aqueles lindos cabelos, lenço colorido no pescoço e óculos Ray-ban... ! Será ???

Enquanto isso, vou ouvir THE DAYS OF WINE AND ROSES - com Henry Mancini, pois esta canção é uma doce lembrança daqueles dias...


... "The days of wine and roses, laugh and run way,
      Like a child at play through the meadow land…,"

Raul Neves de Abreu

Um comentário:

  1. Raul,

    Eu acho que o CARLINHOS era você mesmo ! Tem tudo a ver com voce... kkkk !!!!!!!!!
    bjs, Lu
    25/06/08

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