domingo, 19 de janeiro de 2014

ONDE ANDARÁ TIQUINHO ?

Durante aqueles tempos, poucas coisas assustavam as pessoas nas cidades: Lendas do Saci-Pererê, da Mula sem cabeça, fantasmas à meia- noite no cemitério, a ventania em noite de lua cheia, chuvas durante a madrugada, ou no máximo, as loucuras de um embriagado que mais falava insanidades do que ameaças às pessoas...


Ah ! ... Também havia Maria Louca. Ela era uma pessoa que ninguém sabia a idade, se nova ou velha, apesar de aparência muito desgastada. Vivia perambulando pela cidade falando sem parar, sozinha e pra si mesma, gesticulando como se estivesse discutindo alguma coisa com alguém... Todos temiam que ela fosse alguma coisa mais que apenas uma mulher louca.

Mas, o que mais assustava mesmo era Tiquinho. Ele era apenas um garoto simples, muito humilde, calado, de olhar sereno e talvez órfão porque ninguém ainda havia conhecido seus pais. 

Era muito estranho e ninguém sabia dizer porquê. Sentia-se um calafrio quando se chegava perto dele...

Não conversava com as pessoas e todos tinham receio de perguntarem alguma coisa a ele, que apenas olhava as pessoas, permanecia calado, porém com um olhar bem sereno, cativo...

Tinha belos olhos azuis, esboçava um sorriso tímido, um perfil delicado e parecia ser muito bondoso. Mas, mesmo assim, todos tinham certo medo...

Poucas vezes era visto pela cidade. Geralmente viam-no na Praça da Igreja observando as copas das árvores e, imediatamente, os pássaros voavam ao seu encontro e pousavam em seus braços, nos ombros, sobre sua cabeça...


Ele apenas sorria e acariciava aquelas criaturas. De repente, com um simples olhar, como se fosse uma ordem, as aves voavam de volta aos lugares de onde tinham saído.

Contam que ele conversava sim com todos os animais que existiam... ! ???

Um dia contaram que viram Tiquinho caminhando pela mata e que lindas borboletas azuis acompanhavam-no enquanto ele seguia por uma pequena trilha... Não só as borboletas, mas também coelhos, esquilos, pássaros, lagartos e até cobras iam com ele por onde ele passava... 

Tudo em silêncio, tudo muito estranho, mas tudo em perfeita harmonia !

Ele foi caminhando,... caminhando,... afastou delicadamente algumas folhagens que atravessavam seu caminho, as quais voltaram em seguida aos seus lugares... Não se sabe como e nem porque, logo em seguida ele com todos aqueles animais nunca mais foi visto ! 

Nem na cidade alguém o viu alguma outra vez !

Isso aconteceu há mais de quarenta anos atrás...

Recentemente eu estava em uma praça da cidade. Muitas árvores, e no meio da praça a temperatura estava fresquinha, embora um dia de calor causticante. Havia também uma fonte protegida por grades metálicas... e na pequena mureta de alvenaria estava sentado um homem de estatura mediana, magro, cabelos castanhos brilhantes, sedosos e com alguns tons grisalhos...

Ele acariciava os pássaros que vinham pousar em seu corpo. De repente, ele voltou seu rosto para mim e deu um sorriso que me fez sentir um calafrio estranho... Ele continuou me olhando e sorrindo... Tinha belos olhos azuis, um olhar carinhoso, um rosto já marcado pelo tempo, mas um ar sereno de quem só transmitia a paz !

Pensei naquele instante:

- Será o Tiquinho ?

Ele levantou-se vagarosamente e foi caminhando fora da praça olhando-me com aquele olhar estranho, mas muito bondoso... e as aves seguiam-no felizes !

Voltei mais vezes àquela praça em vários horários, ... Fui a outras praças, rodei toda cidade a sua procura e não sei onde é que ele foi parar... 

Isso aconteceu somente há apenas duas semanas atrás !

Estranho... ! Quem será aquele homem ? Por onde andará o Tiquinho ?

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Raul Neves Abreu
18 / 12 /2011

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