domingo, 19 de janeiro de 2014

SIMPLICIA





















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Logo cedo a cidade começava sua rotineira agitação, suave, romântica, alegre e repleta de vontade de viver!

Batiam palmas à porta de casa logo às 7:00 horas da manhã e Olívia, a ajudante da casa, ia até o alpendre atender:

- Olha o leite,... leite fresquinho,... tem queijo, ... pamonha,... pão caseiro que a patroa acabou de fazer,... frutas,... verduras,.... !

Era o Seu Zacarias que vinha com sua carroça, de porta em porta, todas as manhãs, entregar o leite e os demais produtos de seu sítio. Ele nunca se esquecia de agradar as crianças das casas trazendo sempre algumas frutinhas, pedaços de rapadura, e tantas outras coisas que eram esperadas com muita ansiedade.

O dia começava maravilhosamente bem. E era assim todos os dias!

- "Mata que é bicho! Mata que é bicho! .. "tomara que chova três dias sem parar, cai água no esgoto e corre para o mar ... ! Mata que é bicho.... mata que é bicho !"

Era o velho Sr. Riccieri Bernini, um italiano de mais de Oitenta anos de idade, chegando à sua lojinha de artigos domésticos com aquele velho paletó de brim cáqui, chapéu de feltro,.. e um largo sorriso,... sempre brincando com as pessoas que moravam vizinhas e às outras que passavam!

Sr. Riccieri era muito engraçado. Eu adorava aquele velhinho: ele falava sempre com um sotaque que eu achava bonitinho e ele, ainda, tinha um grande coração !

Eu ficava ali no alpendre de minha casa, agarrado na mureta,  observando o movimento todo, enquanto Olívia preparava a mesa para o café da manhã. Eu ficava ali "meio escondido" esperando a Simplícia passar.

Eu morava na Rua Santo Antonio nº 398, na última casa antes da Ponte do Rio "Arrependido".

Simplícia era bem gorda e vinha , andando, todas as manhãs do Patrimônio, bairro onde morava, ,... não sei pra onde ia.... e eu sempre queria brincar com ela. Ela sempre vinha toda desconfiada que eu fosse lhe “pregar uma peça” .

A cidade era dividida em duas partes: Antes da ponte do Rio era o lado chamado "da cidade", e após a ponte era o lado conhecido como "Patrimônio", que assim era chamado porque ali ficava a Igreja principal e a casa Paroquial onde morava o Padre.

A cidade era pequena, muito pequena, simpática, alegre, maravilhosa...

Antes de chegar à ponte, ela parava na esquina e ficava olhando para o alpendre de minha casa pra ver se eu estava lá escondido!

E eu sempre estava lá. Ficava quietinho me preparando pra dar um susto nela !.

Não havia coisa melhor na vida que correr atrás da Simplicia e dizer: “Passo a morte, passo a morte. Agora a morte está com você!”

Ela corria gargalhando... mal conseguia correr de tão gorda. E quando eu conseguia “passar a morte” nela, meu dia ficava completo. Eu contava na escola pra todo mundo, como que se isso fosse a maior realização!

“Passar a morte” era apenas uma brincadeira que consistia em surpreender uma pessoa e passar-lhe a mão em qualquer parte do corpo e dizer “passei a morte” e essa pessoa teria que surpreender outra e fazer a mesma coisa senão ficaria com medo de morrer.

Simplicia, daquele tamanho, dificilmente surpreendia alguém, pois se a pessoa percebesse e saísse correndo, ela não iria conseguir transferir aquela sorte para a outra e assim ficaria triste o dia todo.

Não sei quem inventou essa brincadeira. Eu só me lembro que foi a Simplicia quem me passou a morte pela primeira vez. Eu devia ter uns Sete anos de idade e ela talvez uns Quinze ou mais anos.

Seu pai, o Seu Zito, vendia doces e amendoins. Era muito amigo de meus pais. Sua família era muito simples, muito humilde, lembro-me que seus pais tinham muitos filhos. Eles moravam numa casa simples com um quintal enorme com muitas árvores frutíferas.

Meu pai me levava todo fim de semana na casa do Seu Zito pra tomar um cafezinho muito gostoso que sua mulher fazia, comer uns bolinhos,.... Eles tinham uma cisterna e meu pai levava sempre um balde grande pra pegar aquela água fresquinha, deliciosa. Eu achava que aquela água era “benta” e que curava muitas doenças.

Enquanto ficávamos ali sentados num banquinho ou no chão batido, a Simplicia estava sempre sorrindo e ameaçando correr atrás de mim pra me passar a morte. Eu “mijava” de rir com a Simplicia!

Aonde ela ia, todas as pessoas gritavam alegres pra ela:

- Oi Simplicia,.... oi Simplicia.... oi Simplicia !

Ela estava sempre sorrindo, gargalhando...!

Coisinhas tão infantis, tão bobas ... tão ingênuas,... tão puras !

Um dia Simplicia conseguiu me surpreender,... eu estava tão distraído que nem imaginava a possibilidade de encontrá-la aquele dia:

- Passo a morte! Passo a morte! Agora a morte está com você!

Fiquei assustado! Simplicia olhou-me bem fixo nos olhos, abraçou-me, beijou-me no rosto, acariciou meus cabelos... derramou lágrimas e me disse:

- Meu menino do coração, eu amo esse loirinho de ouro ! A Simplicia aqui adora você!

Ela foi indo embora para o Patrimônio enxugando as lágrimas,... andando e olhando sempre pra mim, acenando toda emocionada!

Fiquei ali parado olhando quieto...

Naquele dia eu não passei a morte pra ninguém. Fiquei o dia todo calado, só pensando naquele abraço, naquelas lágrimas, naquele olhar tão angelical da Simplicia!

Nunca mais passei a morte pra ninguém.

Passei a esperar a Simplicia com um sorriso, como um cachorrinho que ninguém sabe se vai fazer arte !

Ela me olhava desconfiada, vinha chegando bem devagar.... abraçava-me forte, dava-me um doce,.. um beijo e ia embora sorrindo e acenando com a mão!

Quando fiz  anos mudei-me para outra cidade. Não vi mais a Simplicia. Muitos anos se passaram !.

Certo dia, quando eu já estava com uns Trinta anos de idade, voltei à cidade e fiquei sabendo que ela havia “partido para o Céu”. Bateu uma dor no coração daquelas ! Fiquei parado ali na ponte, naquele lugar onde ela passava sempre, observando aquela água clarinha e pensando na Simplicia,...

De repente, eu a vi caminhando em minha direção, descendo a rua lá do Patrimônio, a Rua Santo Antonio,  toda feliz, de braços abertos, emocionada...

- Meu menino de ouro! Você voltou pra me ver.... você voltou pra me ver! Eu estava esperando faz tanto tempo ! Senti tanta saudade de você !
SIMPLICIA

Ela abraçou-me forte, beijou-me e desapareceu ! Não sei como, ... mas desapareceu !

- Simplicia,... eu sei que você está no Céu e sempre foi a minha Anjinha da Guarda,... eu só queria lhe dizer que minha vida é tão bonita quando me lembro de seu sorriso, do seu abraço, das brincadeiras, ... que o seu amor, por mim, por todas as pessoas, está selado para sempre em nossos corações !.

Que o Grande Arquiteto do Universo por Sua Infinita Sabedoria e Bondade sempre a Ilumine e Guarde !.

Com muito amor e carinho,... do seu loirinho !

Raul Ramos Neves de Abreu
   Outubro de 2007

O BODE PANUJO


Em fins do século 19, por volta de 1895, meus avós maternos - Durval Ramos dos Santos e Elvira Guiomar Carvalho Neves (Dona Sinhá), após casarem-se em Rezende - no estado do Rio de Janeiro, onde moravam, mudaram-se para São Simão - interior do estado de São Paulo, e foram morar na Fazenda Aroeira que era de meu bisavô Major João Climaco Rodrigues Neves.

Major João Climaco Rodrigues Neves

Cerca de um ano após estarem morando em São Simão, Durval Ramos foi nomeado Agente de Correio e foi transferido para a cidade de Tambaú, que dista cerca de 50 km, com a finalidade de fundar e administrar o Posto de Correio naquela progressista cidade que despontava como um dos mais importantes parques industriais cerâmicos.
Durval Ramos e Elvira Guiomar (Sinhá)

Tambaú sempre foi conhecida como " CIDADE DAS CHAMINÉS FUMEGANTES ", por isso, seus moradores anunciavam sempre no jornal local ou na emissora de rádio o seguinte título para a cidade: " Tambaú - A Capital da Indústria Cerâmica da América Latina".

O milagreiro Padre Donizetti Tavares de Lima ainda não era conhecido mas já visitava a cidade pois era morador de uma cidade também vizinha, de nome Vargem Grande do Sul.

Atualmente há um processo no Vaticano - Roma, para Canonização do Padre Donizetti. (mas essa não é nossa história, apesar que eu fui "coroinha do Santo Padre, durante apenas alguns dias de uma semana - motivo pelo qual também me considero "Um Santo Homem" - mesmo que "algumas" digam por aí, por intrigas, ... que "de Santo" eu tenho nada ! ).

Tambaú, no começo do século 20, em 1901, quando Durval Ramos mudou-se para lá, contava com uma população de aproximadamente 4 mil habitantes na cidade (região urbana) e outros tantos na zona rural. Hoje já está com aproximadamente 22 mil habitantes.

Nessa época, as correspondências chegavam na cidade através do Trem da Companhia Férrea Mogiana e ficavam a disposição dos destinatários na própria Estação, na região central da cidade.

As ruas da cidade ainda não eram pavimentadas com paralelepípedos ou asfalto.

Com a chegada de Durval Ramos, o Posto de Correio iniciou-se com atividade bem precária sendo que na mesma casa onde foi instalado, ali também morava a sua familia que já "começava a crescer - teve 14 filhos". E assim, o Posto de correio foi mantido pela familia de Durval Ramos, "de pai pra filho" até a década de 70.

Bem, não havia recursos de transportes, ... Então, ...

Durval Ramos, cerca de uns 5 meses após a instalação do Posto de Correio de Tambahú, foi até a fazenda de seus sogros, em São Simão e ganhou de presente do Major João Climaco um bonito bode, ao qual batizou de PANUJO.

Esse bode foi dado de presente para fins "comestíveis" !!!

Mas, Durval e Dona Sinhá (como era conhecida a sua esposa) ficaram com remorso de transformar o coitado do Panujo em "carne de vaca, na panela com batatas"... afinal, ele era tão bonzinho e tão bonitinho...

Eis que Durval resolveu o problema dos transportes de correspondências e mandou fazer uma carretinha junto a uma carpintaria dos Martinelli. Sucesso ! A cidade já dispunha de transporte de correspondências "motorizado", alta tecnologia, baixo custo, baixíssimo consumo de combustível e, ... e, ... MUITO DIVERTIDO !

- Olha lá a TRANSPORTADORA TAMBAHÚ, ... hei bodinho, ... hei bodinho, ... !

E foi assim que Durval Ramos passou a ser chamado por todos de "Bode dos Correios" e seus filhos e netos de "Bodinho".

Não conheci meu avô pois ele morreu um pouco antes do meu nascimento. Mas, durante toda minha infância, em Tambahú, sempre me chamaram de "Bodinho" e eu ficava "p. da vida" porque não sabia o motivo.

P.S. -  com o tempo, mudaram o nome de TAMBAHÚ para TAMBAÚ ...(mas eu vou continuar tratando como Tambahú porque se alguém resolver me processar, minha defesa será que estou falando de outro lugar em algum País da América Central).

Havia um tal de "Seu Ceará", apelido esse porque era natural do Estado da BAHIA, de sotaque bem acentuado e muito engraçado, que vivia me chamando de "Bodinho" e ficava rindo sem parar ...

Eu então, muito bravo, chamava-o de "Baiano, ... baiano, ... baiano!" Aí, então, aquele homem de uns 50 anos de idade ficava calmo e tentava me explicar o porque daquele apelido. Sei lá onde anda o Seu Ceará pois eu não o vejo faz uns 50 anos. Será que ainda está lá na cidade me esperando pra me chamar de "Bodinho" outra vez ? Ou será que esse "bode velho" também já bateu as botas ?... (brincadeirinha, viu ? Eu gostava muito dele, era muito bonzinho com todas as pessoas e suas brincadeiras nada mais eram que demonstração de carinho.!).

Bem, desculpem o "desvio da linha do trem"... Vamos ver se volto aos trilhos da história !

... voltando à história do Bode Panujo, ...

Passaram-se alguns anos e o Serviço de Correios do Brasil passava por transformações. Tambahú foi então contemplada com a liberação de orçamento ($$$) para uma vaga de carteiro a qual foi imediatamente ocupada por um dos filhos jovens de Durval Ramos.

Afinal, ... até essa data, o próprio Durval e seus filhos já faziam os serviços de entregas sem receber o respectivo salário adicional e, por outro lado, ... (não contem pra ninguém), correspondências não chegavam todos os dias ... e nem mesmo os jornais da capital.

Diário de São Paulo, o mais conhecido de então, chegava sempre ... uma vez por semana !

Bem, com a liberação da vaga de carteiro, meu tio Durval, conhecido como "Dudu" (filho mais velho de Durval Ramos) era o funcionário oficial. Mas, como a "grana era curta", o seu salário era "religiosamente" repartido entre os demais irmãos (depois que meu avô ainda tirava uma parcela para as despesas da casa !).

Por volta de 1940 os irmãos Dudu e Altair (filhos do patriarca Durval Ramos) mudaram-se para Andirá, no Paraná e, em sociedade com o cunhado Sebastião Rezende, que era casado com Hilda (irmã de Dudu e Altair) fundaram uma Indústria Cerâmica e por lá ficaram até falecerem durante os anos 80.

Dudu era noivo da Sra. Norma Ricciardi, com quem pretendia se casar... mas... os pais de Da. Norma, o Sr. Ernesto Ricciardi e Da. Cristina, não queriam que ela fosse embora com Dudu, para um lugar tão distante ! ... Sra. Norma faleceu em Setembro de 2009 com 101 anos de idade e ainda dizia que sua maior paixão era o tio Dudu.

Em lugar de Dudu, foi nomeada outra filha de Durval Ramos - Jair Ackerman que continuou administrando o Correio de Tambahú até sua aposentadoria, por volta de 1970, embora seu filho Nilson Ackerman também já fosse funcionário do Correio desde meado dos anos 60.

Assim,... continuando a atividade "de pai pra filho",...

... Nilson Ackerman, filho de Dona Jair Ackerman administrou o correio de Tambahú até a fins dos anos 70, quando foi transferido como Diretor dos Correios de Limeira e lá ficou até sua aposentadoria - por volta de 1995. Ainda mora lá.

Nilson Ackerman, encerrou "TEMPORÁRIAMENTE" as atividades dos descendentes de Durval Ramos, relativas a Correios ...(estou pensando em prestar concurso para dar continuidade aos negócios da família, apesar que já sou aposentado também. Se eu for aprovado, vou assumir o Correio de Tambahú e vou encher a cidade de Out-door com os dizeres: " OS BODES VOLTARAM " e as cabritas que se cuidem) !

... voltando à história do Bode Panujo ...

Enquanto Durval Ramos, o patriarca, ainda era o Diretor dos Correios de Tambahú,........ um belo dia, Dona Sinhá ficou com dó de Panujo que subia sempre aquelas ladeiras, sem calçamento, muitas vezes com barros, carregando aquela carretinha desajeitada. Então ela sugeriu que vendessem o Panujo para algum sitiante ou fazendeiro pois o animal teria mais utilidade na roça do que como "Carteiro Sem Remuneração" e objeto de brincadeiras, ... que ainda afetavam o bom nome dos Ramos.

Durval então procurou um tal de Seu Diaulas. Esse sabia tudo !

- Bom dia Seu Diaulas, agora não precisamos mais do Bode Panujo e queriamos vendê-lo para algum roceiro que esteja precisando de um animal como esse. Será que o senhor saberia alguma coisa ?
- Qual o problema com o bichinho ?
- Na verdade, Seu Diaulas, o Panujo é um bode muito limpo. Não tem cheiro forte, não é fedido como todos os bodes ...
- Esse bode não fede ?
- Não ! As crianças gostam muito dele e dão banho quase todo dia. Ele é cheirozinho,... até talco passam nele...
- Verdade mesmo ?
- É sim, Seu Diaulas... Acontece que lá em casa não temos um quintal grande pra ele ficar... O Sr. sabe ? Ele é tão asseado que nem peidar ele peida...
- Esse bode não peida ?
- Não peida não, Seu Diaulas. É um bode muito educado... Tenho dó, mas tenho que passar o coitado adiante...
- Noossaaaa ! Se o Senhor está falandoooo... !
- Pois é, Seu Diaulas, esse bodinho é muito inteligente. E não é por "eu estar na minha presença" que eu vou contar um segredo que o Senhor nem vai acreditar, Seu Diaulas !
- Acredito sim, Seu Durval,... acredito sim... pode contar que eu não conto pra ninguém,...

Seu Durval colocou a mão nos ombros de Seu Diaulas, olhando para os lados se ninguém ouvia, e falou baixinho aos seus ouvidos:

- Seu Diaulas, esse bode é tão inteligente, que já está começando a falar ... !

Seu Diaulas ficou excitado, nervoso, ansioso, ... rodou o cigarro de palha na boca pra lá e pra cá, ... rodou, ... rodou, ... pensou, ... e disse:

- Bem, ... Seu Durval, eu acho que não será dificil vender o bichinho, ... ainda mais que é tão limpo, é popular e bem quisto por todos da cidade, ... e ainda tem esse segredinho aí, ... ! Quanto é que o senhor quer por ele ?
- Ah, Seu Diaulas, eu nem sei dizer. O Senhor que é um comerciante saberia quanto vale ?

O cigarro de palha de Diaulas rodou mais depressa na boca ainda. Arregalou os olhos, ... coçou a pança, olhou pro bode, ... coçou de novo, olhou de novo .... e fez logo uma oferta, ... alguma coisa hoje equivalente a uns R$ 200,00.

Durval Ramos coçou a cabeça,... olhou pra um lado, pro outro..., olhou pro bode, pro Diaulas, pro bode,... pro Diaulas...

- Está bem, eu vendo por esse preço !. Mas,... só porque o Senhor é meu amigo e sei que irá tratar bem do coitadinho... !

Seu Diaulas entrou em sua casa e foi logo pegar o dinheiro que guardava numa camiseira ... Eram muitas notas. E veio correndo pra entregar o dinheiro ao Seu Durval e ficar logo com o coitado do Panujo.

- Olha Durval, estou pagando só esse preço pra você porque eu quero ajudar!. Não tenho nenhuma utilidade com o bichinho...
- Eu sei, Seu Diaulas. O importante é que alguém cuide dele com carinho porque esse bichinho é de grande valor sentimental !

Enquanto ficaram os dois compadres trocando elogios um ao outro e também ao coitado do Panujo que estava ali do lado " assistindo a tudo e não falando nada "....

....... de repente, .....

.... Eis que Panujo aproximou-se de Durval Ramos, que estava com as notas na mão... e ABOCANHOU logo aquele "convidativo maço de notas" que pareciam ração do mais fino sabor e qualidade !

- Olha o bode comento as notas, ... pega as notas, ... pega as notas ...
- Xiii meu amigo, ... agora não dá mais, ... eu já perdi as notas ... e o bode agora é seu !

E Panujo, sem pestanejar, comeu todas as notas com muito prazer !

Os compadres estavam ali estáticos sem saber o que fazer !

De repente apareceu um senhor bem velhinho que assistia a tudo e foi logo chamando a atenção dos dois:

- É,... vocês estão vendo ? Vocês ficaram aí negociando o bichinho sem se preocuparem se ele estava gostando ou não ! Bem feito: ele comeu todo o dinheiro !. Agora que vocês aprendam e nunca se esqueçam de uma boa lição:

... " Até um bode velho tem sentimento, tem coração. Não se deve deixar de dar valor a quem ficou a vida toda servindo sem nada reclamar e, justo na hora de sua aposentadoria, é jogado fora como um simples bode velho ! "

O velhinho continou andando pela calçada, apoiando-se em sua bengalinha...

Os dois amigos e compadres ficaram ali boquiabertos sem nada falar !

Panujo, que tinha olhos azuis,... parecia estar se divertindo... e ao acabar sua refeição, olhou para os dois "Bodes Velhos" e exclamou:

- Bééééééééééé´................. !!!!!!!!!!!!!!!

Até hoje me chamam de bodinho....  Então,... eu só posso dizer:

- Bééééééééé´... pra vocês também  !

-    o    -
Raul de Abreu
26 / 12 / 2009

A TRISTEZA DE PIÃO !


Alarido no âmago do homizio !.
De alcunha ardilosa, “Pião”, ignóbil, nada além de um pacóvio, lá  vinha correndo ruando recôndido como usual, belicoso em balbúrdia, fugaz fenecendo e loquaz !
Não tinha jeito, era rotina diária: em pleno arroubo, tentando um dândi, Pião engodava,... engodava, ... tanto, que mesmo insolente nada mais era que um inócuo frugal.
Certo dia chegou pachorrento, nada janota, parecendo petiz embora plissado e pôs-se a ruar rubicundo: deu-lhe na veneta, sentiu a admoesta de sempre, um novo alarido, tentou dilapidar no âmago, fleumático mas ígneo, e mais loquaz do que sempre, bradou aos quatro ventos:
- Implícito que seja, venho cá, mesmo ignóbil, em irrupção a justapor pois eis que outrora insolente, agora apenas parco, ... venho para suscitar, taciturno, tênue ... no único afâ de  tergiversar pois se antes pérfido e então inócuo, ... se antes perdulário mas já apenas incólume, ... nada mais há que fenecer senão sumidade, porém perene e que a admoesta tão merecida perdure para sempre e que toda nódoa se dissipe com um simples gesto de vosso perdão !
Silentes, acompanharam com o olhar de besugo enquanto Pião, triste, cabisbaixo, seguiu o seu caminho sem mais nada falar !... 

Raul de Abreu
25/08/2010  19:13 hs

ONDE ANDARÁ TIQUINHO ?


Durante aquele tempo, poucas coisas assustavam as pessoas na cidade: Lendas do Saci-Pererê, da Mula-sem-cabeça, Fantasmas à meia-noite no cemitério, a Ventania em noite de lua cheia, chuvas durante a madrugada ou, no máximo, as loucuras de um embriagado que mais falava insanidades do que ameaças às pessoas.

Ah,... também havia Maria Louca !.

Ela era uma pessoa que ninguém sabia a idade, se nova ou velha, apesar de aparência muito desgastada. Vivia perambulando pela cidade falando sem parar, sozinha e pra si mesma, gesticulando como se estivesse discutindo alguma coisa com alguém... Todos temiam que ela fosse alguma coisa mais que apenas uma mulher louca.

Mas, o que mais assustava mesmo era Tiquinho. Ele era apenas um garoto simples, muito humilde, calado, de olhar sereno e talvez órfão porque ninguém ainda havia conhecido seus pais. 

Era muito estranho e ninguém sabia dizer porquê. Sentia-se um calafrio quando se chegava perto dele...

Não conversava com as pessoas e todos tinham receio de perguntar alguma coisa a ele, que apenas olhava as pessoas, permanecia calado, porém com um olhar bem sereno, cativo...

Tinha belos olhos azuis, esboçava um sorriso tímido, um perfil delicado e parecia ser muito bondoso. Mas, mesmo assim, todos tinham certo medo...

Poucas vezes era visto pela cidade. Geralmente viam-no na Praça da Igreja observando as copas das árvores e, imediatamente, os pássaros voavam ao seu encontro e pousavam em seus braços, nos ombros, sobre sua cabeça...

Ele apenas sorria e acariciava aquelas criaturas. De repente, com um simples olhar, como se fosse uma ordem, as aves voavam de volta aos lugares de onde tinham saído.

Contam que conversava, por pensamento, com todos os animais. Há quem diga que falava com roedores, cachorros, gatos... tudo que existia !

Um dia contaram que viram Tiquinho caminhando pela mata e que lindas borboletas azuis acompanhavam-no enquanto ele seguia por uma pequena trilha... Não só as borboletas, mas também coelhos, esquilos, pássaros, lagartos e até cobras iam com ele por onde ele passava... 

Tudo em silêncio, tudo muito estranho, mas tudo em perfeita harmonia !

Ele foi caminhando,... caminhando,... afastou delicadamente algumas folhagens que atravessavam seu caminho, as quais voltaram em seguida aos seus lugares escondendo a trilha por onde ele acabara de passar...


Não se sabe como e nem porque, logo em seguida ele com todos aqueles animais nunca mais foram vistos ! Nem na cidade alguém o viu alguma outra vez ! Comentam isso até hoje...

Isso aconteceu há mais de quarenta anos atrás !

Recentemente eu estava em uma praça da cidade. Muitas árvores, e no meio da praça a temperatura estava fresquinha, embora um dia de calor causticante. Havia também uma fonte protegida por grades metálicas... e na pequena mureta de alvenaria estava sentado um homem de estatura mediana, magro, cabelos castanhos brilhantes, sedosos e com alguns tons grisalhos...

Ele acariciava os pássaros que vinham pousar em seu corpo. De repente, ele voltou seu rosto para mim e deu um sorriso que me fez sentir um calafrio estranho... Ele continuou me olhando e sorrindo... Tinha belos olhos azuis, um olhar carinhoso, um rosto já marcado pelo tempo, mas um ar sereno de quem só transmitia a paz !

Pensei naquele instante:

- Será o Tiquinho ?

Ele levantou-se vagarosamente e foi caminhando fora da praça olhando-me com aquele olhar estranho, mas muito bondoso... e as aves seguiram-no felizes !

Voltei mais vezes àquela praça em vários horários, ... Fui a outras praças, rodei toda cidade a sua procura e não sei onde é que ele foi parar... 

Isso aconteceu somente há apenas duas semanas atrás !

Estranho... ! Quem será aquele homem ? Por onde andará o Tiquinho ?


-   o   -

Raul de Abreu Neto
08 / 09 / 2010  11:17 hs

AZULÃO E ZEBRADO

Azulão e Zebrado eram os dois times de futebol amador da cidade.

Não ficará bem revelar os nomes verdadeiros desses times e nem mesmo o da cidadezinha para não constrangermos e nem corrermos riscos da antipatia e cobrança judicial de algum personagem “fictício” que vamos inventar.

Entretanto, não deverá comprometer nada dizer que as cores de seus uniformes eram, do primeiro, de um lindo azul anil varonil - daí o nome AZULÃO e, do segundo, de um simplesinho listrado em preto e branco, daí o nome ZEBRADO.

Ainda, que a cidadezinha era conhecida como a Capital das Chaminés Fumegantes, que os zebrados representavam a classe “operária”, enquanto que os azuis, a “união” da casta nobre.

Era um domingo ensolarado e iria acontecer o famoso “Derby” entre as duas equipes que dividiam a população em paixões incontroláveis. Também eram torcedores fanáticos, o padre, o sacristão, o coroinha, as beatas,o cachorro, o periquito, o papagaio... ufa,... enfim, ... todas as pessoas da cidade.

Durante a semana que antecedia o encontro, não havia outro assunto senão apenas o Derby.

- “Nosso esquadrão vai ter o Faísca que virá especialmente ”papar“as galinhas operárias !”
- “Seu filho da mãe, somos operários, mas não somos cornos !”
- “Mas,... tua mãe é falada lá na fábrica do meu pai, ... Seu Goiaba !”.
- “E o teu pai que gosta de engolir a cobra ? ... Seu Muzambinho ?”.

Provocações e agressões apaixonadas à parte, a verdade era que irmãos odiavam-se quando torciam por times diferentes.

Havia um fazendeiro de gado e café, muito tradicional, que pouco freqüentava a cidade já que possuía uma magnífica Mansão na Avenida Brasil na capital – São Paulo. Aliás, quase todos os prósperos fazendeiros viviam mais na capital em suas mansões que em suas fazendas. Eram, em sua maioria, como casta nobre, torcedores daquele time que representava a união dos chamados “sangue azul”.
FAZENDEIRO - PAI DE CARLINHOS

Frau Ingrid - a mãe de Carlinhos

Antonio Carlos, filho do casal, com cerca de 20 anos de idade, dirigia seu carro conversível Sinca Chambord, ultimo tipo, luxuoso, todo equipado, atraindo todas as garotas da cidade.

CARLINHOS

Levava umas 7 ou 8 garotas em seu carro, todas uniformizadas com as cores do Azulão e agitando bandeirolas, enquanto a garotada vinha correndo atrás gritando frases de provocação contra os torcedores contrários;

- “... um, dois, três, zebrado é freguês! Um, dois, três, zebrado é freguês.”

Ninguém tinha coragem de responder àquelas provocações, pois Antonio Carlos era filho do fazendeiro mais próspero, além de industrial que empregava muitos operários.

Estacionou o carro na praça da Igreja e ficou tomando uísque importado, ouvindo músicas estrangeiras, enquanto que as garotas Torcedoras, com suas diversas alegorias agitavam nas ruas formando um grupo de fãs que aumentava a cada momento.

Também pudera: .... cada torcedora linda... !!!

TORCEDORAS DO AZULÃO
Enquanto as torcedoras faziam suas calorosas manifestações, Carlinhos, bom menino, estava em seu carro tomando uisque e  ouvindo músicas no seu Toca Fitas de Cartucho da marca "Muntz", alemão legítimo, De repente...

- “Oi, Carlinhos. Que lindo carro você tem ! Ele corre muito?”

Era Dona Licinha, a esposa do Delegado que tinha vindo da capital fazia uns 2 anos.

Linda, esbelta, uns 25 anos de idade, cabelos compridos castanho-dourados, com uma calça justa, blusa colante exibindo as formas de seu belo tronco, um sorriso sensual...

O Delegado, gordão, cara de “João Bobo”, pés chatos, calvo, branquelo, mais feio e mais chato que o Jô Soares, dentuço... e torcedor do ZEBRADO, mas... filho de um coronel em pleno regime militar !

- “Oi Dona Licinha,... quer dar uma voltinha ?”

Ela não esperou nem um segundo, sentou-se ao lado de Carlinhos, colocou um lenço nos cabelos, óculos Ray-ban, cigarro com filtro e piteira, um olhar de superioridade e disse:

- “Toca pra estrada !”

Todo mundo ficou ali besta de ver aquele carrão em disparada saindo da cidade, naquela estrada de terra, levantando um poeirão e sumindo na curva da montanha.

Ninguém ficou sabendo de verdade o que aconteceu enquanto ficaram ausentes da cidade por umas 2 ou 3 horas. Há quem diga tanta coisa...

Ela desceu do carro com um sorriso bem sacana, tirou os óculos, deu uma piscadela, ... tirou o lenço dos cabelos, agitou-o e saiu requebrando olhando para os lados causando inveja naquelas outras garotinhas que ficaram ali pasmas daquela ousadia.

Antonio Carlos foi embora para a fazenda deixando para trás aquelas mocinhas que havia levado para “agitar” a cidade.

O que será que eles fizeram lá atrás da montanha ?

Os dias se passaram e chegou o tão esperado domingo. Mas, como de costume, logo pela manhã, a cidade toda participou de uma Procissão Religiosa para a preparação espiritual dos torcedores, jogadores e toda a população.

Tradicional Procissão Religiosa antes de jogos


Já no "Estádio de Futebol", que tinha a capacidade para quase 500 pessoas sentadas, o Delegado estava sentado no banco dos jogadores, ao lado do técnico do time. Chamou de lado o Árbitro (Juiz) da partida, levou-o ao centro do gramado, escoltado pelos 6 soldados que formavam o pelotão da cidade e “confabulou” com o Juiz qualquer coisa que ninguém nunca ficou sabendo.
O DELEGADO

Antonio Carlos, o “Carlinhos”, era o “Centro Avante” do time Azulão. Enquanto fazia aquecimento no gramado, era saudado pelos torcedores que admiravam suas qualidades técnicas e pelas torcedoras – fã clube, que eram desesperadamente apaixonadas por ele.

Dona Licinha, contrariando seu marido, estava na arquibancada com bandeirola do Azulão.

A comissão diretora do espetáculo, formada por diretores das duas agremiações, o Prefeito e Vereadores, o Padre e alguns assistentes e beatas, o Delegado, o Representante da Liga Esportiva, Jornalistas, até o Chicão Cocada – o maior cara-de-pau da cidade e tantos outros penetras, reuniram-se no centro do gramado enquanto faziam-se discursos e, finalmente, o Juiz lançava a moeda ao ar para que os times escolhessem suas posições.

Dona Concheta, senhora de destaque social e digna representante das famílias mais tradicionais, foi convidada a dar o pontapé inicial da partida e foi aplaudida por todos os presentes, como de costume, seguindo-se incessante bateria de fogos de artifício.


Dona Concheta

Iniciou-se o jogo. Cordialidade zero entre os jogadores.

O “Estádio” foi o dos zebrados e, naquele local, o “clima” geralmente não era nada hospitaleiro.

Carlinhos no campo dos Zebrados
(essa foto é confidencial)


Carlinhos, pegou a bola, driblou um zagueiro, dois, e chutou firme para o gol. O Goleiro conseguiu espalmar para escanteio.

O Delegado com um terno cinza e aquele enorme lenço tentava secar o suor do seu pescoço, gritando para o Juiz:

- “ Não vai esquecer o que eu lhe falei senão eu boto o Sr. no Xadrez.”

O ponta direita do Azulão foi cobrar o escanteio e Carlinhos cabeceou a bola para o fundo da rede!

GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLL !!!

O Juiz marcou o centro do campo. Validou o gol.

O Delegado, desesperado, com seu pelotão de fuzilamento, entrou correndo no campo, parecendo uma Anta no Cio e bradou:

- “ Seu filho da puta, o gol não valeu. O jogador estava impedido. Pode anular já esse gol e dar impedimento!”
- “ Mas, Seu Delegado,... não tem impedimento em cobrança de córner!’
- “ Se não tinha agora tem porque eu sou a Lei e se o Senhor não apitar esse impedimento eu vou impedi-lo de sair desta cidade hoje!”
- “ Senhor Delegado,... tenha paciência... eu até posso apitar um pênalti a favor do Zebrado,... e depois mais um ou dois se for preciso.”
- “ Eu não quero saber. O Senhor tem mais é que dar impedimento.”
- “ Bem, Seu Delegado,... isso eu não posso fazer, mas posso mandar cobrar o córner novamente alegando irregularidade da posição da bola. Assim, não acredito que façam gol novamente!”
- “ O Senhor é que sabe,... mas se o Azulão fizer gol o Senhor tem que dar impedimento!”

O Juiz morrendo de medo mandou cobrar o córner (escanteio) novamente alegando que a bola tinha sido chutada em local fora de posição.

Muitas reclamações dos azulões, porém, conhecedores da ira do Delegado acataram a determinação e repetiram a cobrança do “tiro de canto”:

Carlinhos novamente cabeceou a bola mandando-a para o fundo das redes.

GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLL !!!

O Delegado entrou em campo novamente, parecia um Elefante com espinho na pata, com aquela pança balançando pra lá e pra cá, soltando fogo pelas narinas e peidando fedido como um Camelo.

- “ Seu filho da puta, você tem que dar impedimento senão eu te boto em cana. E ainda te enquadro no AI-5 como Terrorista.”

O Padre foi falar com o Delegado e o Delegado estava tão irado quando viu sua esposa agitando com alegria pelo gol, que pegou o padre pelo colarinho:

O PADRE

- “ Olha aqui Seu Padreco duma figa puxa-saco de terrorista, eu estou sabendo que o Sr. está protegendo uns elementos suspeitos na sua paróquia e acho bom o Sr. falar logo pra esse Juizinho de merda pra anular esse gol senão o Senhor vai preso também!”

Não houve alternativas. Afinal, apesar de cara de João Bobo, Seu Delega era filho de General, que a essa hora já estava até sendo chamado até de Marechal e, como diz o velho ditado:

“ ... Manda quem pode e obedece quem tem juízo !”

Bem,... o time dos zebrados ganhou a partida de 1 x 0, com um gol de penalty inexistente aos 22 minutos do segundo tempo, momento em que a partida foi encerrada sob alegação do Sr. Dr. Delegado de “Falta de Segurança Nacional” no Estádio.

... Até aquele instante o Juiz já havia anulado 3 gols do time Azulão !

Mas, como “nada como um dia após o outro “ e considerando que a vida nada mais é que uma “Eterna Roda Gigante”, ... o pai de Carlinhos era amigo do Governador... !

E os “Marechais” estavam caindo da moda !...

O Delegado foi transferido no mês seguinte para algum lugar que ninguém ficou sabendo (se é que foi transferido) e nunca mais se falou do tal Marechal.

Ah,... e a Dona Licinha... ???

Você já viu como a Luma de Oliveira é linda e era lindíssima aos 20 e poucos anos ?

Dona Licinha era muito mais linda que Luma de Oliveira...

Onde será que ela foi parar ?

Dia desses procurei informações sobre uma pessoa que havia trabalhado na casa dos pais de Dona Licinha e fui parar em uma alfaiataria onde diziam que poderia descobrir alguma coisa já que o Alfaiate era a pessoa que sabia de tudo que se passava na cidade.

_ “ Ah... aquela moça que trabalhava naquela casa? Olha, aquele casal já faleceu faz muitos anos. Talvez a filha possa lhe dar alguma informação. Tenho aqui o endereço dela... Ela esteve algumas vezes aqui na cidade. Está ainda uma bela mulher, fez muitas plásticas, é viúva... e continua pedaço de mau caminho !”
- “ Ela ainda está viva? Aquela mulher era linda... Me dá logo o endereço aí que eu vou lá conferir,... afinal, quando ela passava eu era um moleque apaixonado por ela!”

Fui a São Paulo, naquela Avenida, naquela mansão, toquei o interfone:

-“Alô, o que o Sr. quer?”
- “Aqui é a residência da Dona Licinha? Eu gostaria muito de falar com ela!”
-“ Quem quer falar com ela?”
-“ Eu sou aquele moço, filho daquele casal que freqüentava a casa dela naquele tempo ... etc,... e eu gostaria muito conversar com ela sobre uma pessoa, a fulana de tal, que parece ter trabalhado na casa de pais dela, pois estou escrevendo um livro...”
-“ Eu sou Licinha, e não sei nada sobre aquela mulher. E agora estou muito ocupada atendendo uma pessoa.
Desligou o interfone e não quis me receber... Atendendo uma pessoa ? Será que ela era fisioterapeuta, analista, consultora, cartomante, ... ??? Estranho !!!

Lembrei-me daquele dia que ela sumiu naquele conversível de Carlinhos lá pelas curvas da montanha !!! Será que.... ??? Bem... isso é maldade pensar... Mas,... será ???Quem sabe em outra oportunidade eu bata naquela porta novamente, com o argumento de escrever sobre A MOÇA DO SINCA CHAMBORD e ela fique interessada.

Depois que Carlinhos foi embora da cidade para estudar na Europa, Dona Licinha comprou um Sinca Chambord conversível e aparecia na cidade vez em quando exibindo-se como que se procurasse alguma coisa perdida !

Não consigo esquecer que toda vez que ela passava naquele Sinca Chambord conversível, vermelho com estofamento em couro branco, eu ficava ali estático admirando aquela linda mulher de cabelos esvoaçantes, com aquele par de óculos Ray-ban e aquele lenço colorido no pescoço encantando a todos que a viam passar !

Dona Licinha

Como será que ela está agora? Fico imaginando ve-la novamente com aqueles lindos cabelos, lenço colorido no pescoço e óculos Ray-ban... ! Será ???

Enquanto isso, vou ouvir THE DAYS OF WINE AND ROSES - com Henry Mancini, pois esta canção é uma doce lembrança daqueles dias...


... "The days of wine and roses, laugh and run way,
      Like a child at play through the meadow land…,"

Raul Neves de Abreu

O POSTE DE PIRÚ


Naquela Promissora Cidade,... havia um Bar onde os homens encontravam-se para o rotineiro “happy hour” ao final de toda tarde e de seus trabalhos !.
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A cidade, naquela época, com quase 5 mil habitantes, era um lugarejo sem outras atrações a não ser um acanhado cinema, a praça da Igreja, alguns botequins de “cachaça “e o Bar do Seu PEDRO FABRICANTE onde também havia uma pista de bocha... E era lá mesmo que Pirú ia todos os finais de tarde até o fechamento por volta das 10 horas da noite.
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Era a “moda” tomar conhaque, entre um gole e outro de pinga... E as piadas corriam soltas, alguns solando violão  – ABISMO DE ROSAS, ou outras que os “já embriagados” pela “tar da marvada” cantavam desafinadamente tentando um ser mais “tenor” que o outro. Havia até discussão e quase briga por causa de quem desafinava mais que o outro...
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- Você não sabe cantar,... só desafina...
- Eu não ! Eu sei cantar sim,... você é que não sabe nada seu...
- Olha lá o que vai falar seu...
- Seu, o quê ?
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E a discussão parava para mais um gole e continuava após alguns outros,... mas nunca houve briga de verdade e, no dia seguinte, comentavam os desequilíbrios daqueles “Senhores de Família” do  Bar do FABRICANTE. ! Piru sempre saía cambaleando.
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Seu nome era Pedro, magro, estatura mediana, usava óculos "fundo de garrara" e tinha esse apelido, Pirú, devido a sua timidez e também porquê sendo da pele muito branca, sempre ficava muito vermelho quando ia conversar com as pessoas. Muito tímido, muito tímido...
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Era solteiro e apaixonado por Dona ANINHA, a professorinha mais charmosa da cidade, mas nunca teve a coragem de se declarar diretamente a ela.
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Dona Aninha também era moça de boa família, muito recatada e também muito tímida, embora todos da cidade achassem que eles se gostavam e que acabariam se casando, ...
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Mas eis que um certo dia apareceu um homem elegante, forte, objetivo e decidido que era Oficial da Polícia Rodoviária e ela acabou se casando com ele. Coitado do Piru... !
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No final daqueles Happy Hour, que naqueles tempos chamavam de “último gole” Piru saía tarde do Fabricante e ia logo abraçar o poste...e dar uma “desaguada ou uma despingada ! ”...
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Naquela época os postes ou eram de troncos de árvores, desde o inicio de 1900 ou mais modernos e de ferro dos anos 40... E aquele poste do Piru, era um pretinho, bem enferrujado.
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Piru abraçava o “Poste do Piru” e se declarava, pensando em Dona Aninha, beijando, acariciando e “desaguando” no  pobre do coitado que ficava ainda mais enferrujado por causa do ácido úrico de sua urina...
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Certa vez, muito tempo depois de tanto se declarar, Piru abraçou o “neguinho”, como carinhosamente o tratava, com força e decisão... O Poste do Piru estava com um fio desencapado e, também por causa da garoa, estava eletrificado... e... PUUUMMM....! Lá se foi o Piru jogado longe com um choque que quase o fez morrer !
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- Ah é assim que você demonstra o seu amor ? Eu tantos anos aqui me declarando...
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Os companheiros da cachaça não se contiveram de tanto rir da desgraça do Piru e logo foram dizendo:
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- Aí, Piru... aí, Piru... tua sina vai ser mesmo se casar com um poste ou trabalhar na Força e Luz porque a tua querida Dona Aninha não vai querer receber suas “despingadas” e muito menos sentir o “doce aroma da amargosa ! “
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A partir daquela noite, Piru nunca mais voltou ao Bar do  Seu Fabricante. Pediu transferência do Banco onde trabalhava e mudou-se para outra cidade vizinha...
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Dona Aninha, dizem, casou-se e foi feliz...
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Sobre Piru, não se sabe mais dizer de seu paradeiro. Mas,... lá naquela cidadezinha as pessoas até hoje sempre lembram dele e contam até para seus netos sobre as façanhas de Pirú e o Poste do Pirú !.
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E no lugar onde havia o POSTE DO PIRU, hoje tem um novo Poste Padrão da Cia. de Força e Luz com uma placa em homenagem ao Piru, o herói de nossa história, com os seguintes dizeres:
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“ POSTE DO PIRU que quase morreu de amor sem nunca se declarar !”


Musica:  ABISMO DE ROSAS
INTÉRPRETE: DILERMANDO  REIS
COMPOSITOR:  CANHOTO (AMÉRICO JACOMINO)
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Raul Neves de  Abreu
24 / 05 /2013

O ESPELHINHO MÁGICO !


Há alguns anos atrás, o maior sonho de um garoto quando completava 10 anos de idade era ganhar um canivete.

Canivete significava a liberdade: descascar frutas, cortar gravetos no mato, enfrentar uma onça, cortar o ferrão de um peixe “mandi-chorão”, cortar a palha de milho pra fazer um cigarro, picar o fumo, cortar o cipó, o mato, furar buracos no chão pra fazer as birocas e jogar bolinha de gude, tantas outras coisas, ...

Canivete era um Símbolo de Macheza !

Canivete Suiço

Mas, ... ninguém brigava com ninguém, não ameaçava, não matava, não feria, não cometia qualquer tipo de delito. Apenas havia o desejo de ter um canivete, do mesmo jeito que se tem que usar cueca. Fazia parte da indumentária masculina e pronto !.

Aos 11 anos de idade, os garotos de bom aproveitamento escolar ingressavam no 1º ano ginasial, atualmente a 5ª. Série.

Uniforme obrigatório, com gravatinha azul marinho, sapatinhos bem lustrados, cabelo penteado... Ah ! Cabelo penteado!

Não havia um garoto que não portasse um Espelhinho de Bolso e, é claro, um canivete suiço.
Espelhinho de Bolso com foto de mulheres

O garoto em sala de aula, já esquecido o canivete, pegava o espelhinho toda hora, olhava para a menina interessante do lado, fazia pose, molhava as mãos com cuspe e em seguida os cabelos e admirava-se como um verdadeiro Narciso – o Rei da Beleza Universal, e alisava aqueles cabelos anteriormente emplastados de gumex em casa.

Fazia pose. O topete... Ah,... que topete ! Cabelo curtíssimo com um vasto topete.

Regininha, sentada na carteira escolar ao lado de Beto, ria como uma tonta cada vez que aquele doido tirava do bolso interno do paletó aquele arsenal de beleza: Um espelhinho de bolso, com a foto, no verso, de uma artista americana seminua e aquele pente enorme para aquele quase nada de cabelo cortado à moda americana.

- Oi Beto, para de se mexer. A professora já já vai dar uma bronca em você. Parece que tem pulga... e nem tem tanto cabelo pra ficar se penteando tanto...
- Não enche, Regininha, eu estou é de olho na professora. Como é linda essa mulher... ainda vou dançar com ela lá no clube, você vai ver!
- Duvido: ela já é uma velha, deve ter uns 25 anos e vai até casar...
- Eu sei. Mas acontece que o namorado dela não mora aqui... você vai ver !

Regininha era uma bela garota, de cabelos castanhos escuros, olhos azuis, face rosada, já mostrava que iria ter seios grandes pois já usava um soutien que se percebia pela blusa branca, de um tecido fino, do uniforme. A saia rodada, azul-marinho, um pouco abaixo dos joelhos. Pernas bonitas. Líder de um grupinho de seguidoras e candidata a secretária do grêmio estudantil.

Regininha
Beto,... bem,... Beto era como todos os outros: trazia no bolso interno do paletó um belo espelhinho com a foto de uma linda mulher.

Beto
Eis que no intervalo, os garotos lá no fundo, onde havia um matinho, juntavam-se para contar suas aventuras e observações, entre uma tragadinha e outra, e acabaram conhecendo por um veterano do 2º ano do ginásio, o Zé Gambá, a VERDADEIRA UTILIDADE DO ESPELHINHO MÁGICO !

- Aí garotada: esse espelhinho não é pra ficarem penteando o cabelo não, seus idiotas! Isso aí é pra colar em baixo da ponta do sapato, chegar perto de uma garota e admirar a bela calcinha que ela usa!
- Outro dia eu vi a calcinha da professora de Matemática. Que beleza de calcinha: branquinha com rendinhas ! Na hora do lanche, fui correndo lá no banheiro e “despenei o sabiá”!
- A professora de história então nem se fala: todo mundo já viu a calcinha preta dela... A de Espanhol dizem que até não usa calcinha, ... a mulher do Diretor só usa vermelha e todas as alunas só usam calcinha branca !.

Ficaram todos boquiabertos, olhando como idiotas mesmo uns para os outros e até pararam de fumar. Um sorriso malandro no rosto de cada um e... aprendida a nova lição saíram rápido daquela concentração para iniciarem suas novas “pesquisas” no páteo da Escola.

Beto, em sala de aula, tirava o espelho do bolso, olhava,... olhava, colocava de novo no bolso,... tirava de novo, repetia tudo ... e olhava ao lado para as pernas de Regininha com um pensamento nada convencional.

- “ você vai ser a minha primeira vítima, Regininha. E vai ser hoje !”

Mal sabiam os novatos que também as meninas já sabiam da história pois tinham sido alertadas pelas mais velhas ou até mesmo por suas mães. Entretanto, conquista era conquista e nada como um bom desafio, uma boa aventura para dar mais graça e calor a cada dia!

Começaram a testar em casa como colar o espelhinho no sapato de forma que não caísse e que ninguém percebesse. Foram até a praça da Igreja, onde então apareceu o sabichão do Zé Gambá e, mais uma vez, como um “Mestre” ensinou aos garotos que eles deveriam com o “famoso canivete” descolar uma parte do couro do sapato, na ponta, para que assim o espelhinho fosse colocado e ficasse com a pressão suficiente.

Dito e feito: os moleques descobriram a mais nova e mais importante Utilidade do Canivete! Todo mundo de sapato descolado na ponta !.

Dia seguinte, Beto quando entrou na sala de aula e sentou-se à sua carteira, colocou logo o espelhinho no sapato e ficou esperando uma chance em que Regininha se levantasse para já iniciar a nova mania escolar: Ver calcinhas !

Quando a professora entrou na sala, todos se levantaram, como era o costume, e Beto com um sorriso “encapetado” jogou logo o pé perto da saia de Regininha e ficou ali pasmo com aquela visão do Paraíso: A calcinha branca da Regininha!

Assim os dias que se sucederam foram todos de novas descobertas...

Lá no “fumeiro” , onde a garotada se escondia no matinho pra fumar o assunto era só um: A cor da calcinha que cada garoto viu!

Experientes, já vividos com mais de uma semana de malandragens, resolveram partir para conquistas mais significativas: Ver calcinhas de professoras!

A professora de português era linda.

Passava na cidade um filme chamado Sissi, com uma atriz alemã de nome Romy Schneider que era belíssima e todos estavam apaixonados por ela, tanto que os banheiros faziam filas durante os intervalos de aulas... Coitados dos Sabiás !

Todos achavam que a professora de português era idêntica a Romy Schneider...

A Professora de Música


Romy Schneider - A paixão da garotada
Os garotos combinaram no fumeiro que a próxima vitima seria a professora e, antecipadamente, iniciaram uma cerimônia de “sapecar o sabiá” em grupo, em homenagem ao futuro acontecimento.

Mas, sempre tem um "estraga prazer" ! De repente,... Luizinho, um tipinho muito esquisitinho...

- Fessora: Os meninos aí do lado da Sra. não estão querendo aprender a gramática não.... Eles estão é com o espelhinho no sapato só pra ver a sua calcinha....!

Filho da mãe daquele Luizinho que só gostava de bonecas...! Tinha que entregar todo mundo justo ali, naquela hora que estava acontecendo a cena mais linda do filme Sissi... e eu também estava vendo ????

Muito desapontada, aos prantos a professora olhou-nos com um sentimento de traída, sem conseguir pronunciar uma só palavra, soluçando, tremendo...

Conseguiu levantar a mão em direção a mim e disse:

- Você? Como pode fazer isso comigo? Justo você ?

O Diretor, o Servente, outros professores, alunos, ... um monte de gente veio correndo até a porta de nossa sala.

Estávamos ali, em pé, também em soluços, amedrontados, envergonhados...

Todos foram para a Diretoria. O Diretor chamou os pais. Veio até o Delegado de Polícia.

Os dias se passaram muito difíceis. Não se via a hora, cada dia, todo dia, de sair da escola e esquecer. Aquela professora não merecia aquele comportamento dos alunos, mas soube perdoar e foi a patrona da formatura.

Compus a letra do hino de despedida, chorando cada letra que imaginava, cada sentido, cada momento vivenciado, os momentos de alegrias, grandes alegrias, algumas decepções, algumas tristezas...

O Espelhinho Mágico, apesar de tudo, continua comigo em meus pertences. Há quem pergunte o que faço com esse objeto que ninguém conhece mais...

Não penteio mais meus cabelos com ele... Apenas tenho olhado, há muito tempo, desde aquela época, o olhar amadurecido, às vezes endurecido, modificado, ofuscado, saudoso.

Cada vez que olho esse espelho, viajo no tempo, pelo passado e futuro e sempre vejo aquela linda princesa – mais linda que Sissi, olhando-me com ternura, com um sorriso tão meigo e me perdoando por entender o instinto desprovido da razão que tomou conta por um inesquecível momento.

Não sei onde está a professora. Dizem que já partiu e ensina aos Anjos.

Eu sei que em breve também vou pegar essa nave espacial e estarei novamente diante dela porque eu preciso devolver o caderninho de notas que ela me emprestou e que guardei com todo amor e carinho todos esses anos... e também o Espelhinho, onde eu colei a sua foto.