domingo, 19 de janeiro de 2014

O BODE PANUJO


Em fins do século 19, por volta de 1895, meus avós maternos - Durval Ramos dos Santos e Elvira Guiomar Carvalho Neves (Dona Sinhá), após casarem-se em Rezende - no estado do Rio de Janeiro, onde moravam, mudaram-se para São Simão - interior do estado de São Paulo, e foram morar na Fazenda Aroeira que era de meu bisavô Major João Climaco Rodrigues Neves.

Major João Climaco Rodrigues Neves

Cerca de um ano após estarem morando em São Simão, Durval Ramos foi nomeado Agente de Correio e foi transferido para a cidade de Tambaú, que dista cerca de 50 km, com a finalidade de fundar e administrar o Posto de Correio naquela progressista cidade que despontava como um dos mais importantes parques industriais cerâmicos.
Durval Ramos e Elvira Guiomar (Sinhá)

Tambaú sempre foi conhecida como " CIDADE DAS CHAMINÉS FUMEGANTES ", por isso, seus moradores anunciavam sempre no jornal local ou na emissora de rádio o seguinte título para a cidade: " Tambaú - A Capital da Indústria Cerâmica da América Latina".

O milagreiro Padre Donizetti Tavares de Lima ainda não era conhecido mas já visitava a cidade pois era morador de uma cidade também vizinha, de nome Vargem Grande do Sul.

Atualmente há um processo no Vaticano - Roma, para Canonização do Padre Donizetti. (mas essa não é nossa história, apesar que eu fui "coroinha do Santo Padre, durante apenas alguns dias de uma semana - motivo pelo qual também me considero "Um Santo Homem" - mesmo que "algumas" digam por aí, por intrigas, ... que "de Santo" eu tenho nada ! ).

Tambaú, no começo do século 20, em 1901, quando Durval Ramos mudou-se para lá, contava com uma população de aproximadamente 4 mil habitantes na cidade (região urbana) e outros tantos na zona rural. Hoje já está com aproximadamente 22 mil habitantes.

Nessa época, as correspondências chegavam na cidade através do Trem da Companhia Férrea Mogiana e ficavam a disposição dos destinatários na própria Estação, na região central da cidade.

As ruas da cidade ainda não eram pavimentadas com paralelepípedos ou asfalto.

Com a chegada de Durval Ramos, o Posto de Correio iniciou-se com atividade bem precária sendo que na mesma casa onde foi instalado, ali também morava a sua familia que já "começava a crescer - teve 14 filhos". E assim, o Posto de correio foi mantido pela familia de Durval Ramos, "de pai pra filho" até a década de 70.

Bem, não havia recursos de transportes, ... Então, ...

Durval Ramos, cerca de uns 5 meses após a instalação do Posto de Correio de Tambahú, foi até a fazenda de seus sogros, em São Simão e ganhou de presente do Major João Climaco um bonito bode, ao qual batizou de PANUJO.

Esse bode foi dado de presente para fins "comestíveis" !!!

Mas, Durval e Dona Sinhá (como era conhecida a sua esposa) ficaram com remorso de transformar o coitado do Panujo em "carne de vaca, na panela com batatas"... afinal, ele era tão bonzinho e tão bonitinho...

Eis que Durval resolveu o problema dos transportes de correspondências e mandou fazer uma carretinha junto a uma carpintaria dos Martinelli. Sucesso ! A cidade já dispunha de transporte de correspondências "motorizado", alta tecnologia, baixo custo, baixíssimo consumo de combustível e, ... e, ... MUITO DIVERTIDO !

- Olha lá a TRANSPORTADORA TAMBAHÚ, ... hei bodinho, ... hei bodinho, ... !

E foi assim que Durval Ramos passou a ser chamado por todos de "Bode dos Correios" e seus filhos e netos de "Bodinho".

Não conheci meu avô pois ele morreu um pouco antes do meu nascimento. Mas, durante toda minha infância, em Tambahú, sempre me chamaram de "Bodinho" e eu ficava "p. da vida" porque não sabia o motivo.

P.S. -  com o tempo, mudaram o nome de TAMBAHÚ para TAMBAÚ ...(mas eu vou continuar tratando como Tambahú porque se alguém resolver me processar, minha defesa será que estou falando de outro lugar em algum País da América Central).

Havia um tal de "Seu Ceará", apelido esse porque era natural do Estado da BAHIA, de sotaque bem acentuado e muito engraçado, que vivia me chamando de "Bodinho" e ficava rindo sem parar ...

Eu então, muito bravo, chamava-o de "Baiano, ... baiano, ... baiano!" Aí, então, aquele homem de uns 50 anos de idade ficava calmo e tentava me explicar o porque daquele apelido. Sei lá onde anda o Seu Ceará pois eu não o vejo faz uns 50 anos. Será que ainda está lá na cidade me esperando pra me chamar de "Bodinho" outra vez ? Ou será que esse "bode velho" também já bateu as botas ?... (brincadeirinha, viu ? Eu gostava muito dele, era muito bonzinho com todas as pessoas e suas brincadeiras nada mais eram que demonstração de carinho.!).

Bem, desculpem o "desvio da linha do trem"... Vamos ver se volto aos trilhos da história !

... voltando à história do Bode Panujo, ...

Passaram-se alguns anos e o Serviço de Correios do Brasil passava por transformações. Tambahú foi então contemplada com a liberação de orçamento ($$$) para uma vaga de carteiro a qual foi imediatamente ocupada por um dos filhos jovens de Durval Ramos.

Afinal, ... até essa data, o próprio Durval e seus filhos já faziam os serviços de entregas sem receber o respectivo salário adicional e, por outro lado, ... (não contem pra ninguém), correspondências não chegavam todos os dias ... e nem mesmo os jornais da capital.

Diário de São Paulo, o mais conhecido de então, chegava sempre ... uma vez por semana !

Bem, com a liberação da vaga de carteiro, meu tio Durval, conhecido como "Dudu" (filho mais velho de Durval Ramos) era o funcionário oficial. Mas, como a "grana era curta", o seu salário era "religiosamente" repartido entre os demais irmãos (depois que meu avô ainda tirava uma parcela para as despesas da casa !).

Por volta de 1940 os irmãos Dudu e Altair (filhos do patriarca Durval Ramos) mudaram-se para Andirá, no Paraná e, em sociedade com o cunhado Sebastião Rezende, que era casado com Hilda (irmã de Dudu e Altair) fundaram uma Indústria Cerâmica e por lá ficaram até falecerem durante os anos 80.

Dudu era noivo da Sra. Norma Ricciardi, com quem pretendia se casar... mas... os pais de Da. Norma, o Sr. Ernesto Ricciardi e Da. Cristina, não queriam que ela fosse embora com Dudu, para um lugar tão distante ! ... Sra. Norma faleceu em Setembro de 2009 com 101 anos de idade e ainda dizia que sua maior paixão era o tio Dudu.

Em lugar de Dudu, foi nomeada outra filha de Durval Ramos - Jair Ackerman que continuou administrando o Correio de Tambahú até sua aposentadoria, por volta de 1970, embora seu filho Nilson Ackerman também já fosse funcionário do Correio desde meado dos anos 60.

Assim,... continuando a atividade "de pai pra filho",...

... Nilson Ackerman, filho de Dona Jair Ackerman administrou o correio de Tambahú até a fins dos anos 70, quando foi transferido como Diretor dos Correios de Limeira e lá ficou até sua aposentadoria - por volta de 1995. Ainda mora lá.

Nilson Ackerman, encerrou "TEMPORÁRIAMENTE" as atividades dos descendentes de Durval Ramos, relativas a Correios ...(estou pensando em prestar concurso para dar continuidade aos negócios da família, apesar que já sou aposentado também. Se eu for aprovado, vou assumir o Correio de Tambahú e vou encher a cidade de Out-door com os dizeres: " OS BODES VOLTARAM " e as cabritas que se cuidem) !

... voltando à história do Bode Panujo ...

Enquanto Durval Ramos, o patriarca, ainda era o Diretor dos Correios de Tambahú,........ um belo dia, Dona Sinhá ficou com dó de Panujo que subia sempre aquelas ladeiras, sem calçamento, muitas vezes com barros, carregando aquela carretinha desajeitada. Então ela sugeriu que vendessem o Panujo para algum sitiante ou fazendeiro pois o animal teria mais utilidade na roça do que como "Carteiro Sem Remuneração" e objeto de brincadeiras, ... que ainda afetavam o bom nome dos Ramos.

Durval então procurou um tal de Seu Diaulas. Esse sabia tudo !

- Bom dia Seu Diaulas, agora não precisamos mais do Bode Panujo e queriamos vendê-lo para algum roceiro que esteja precisando de um animal como esse. Será que o senhor saberia alguma coisa ?
- Qual o problema com o bichinho ?
- Na verdade, Seu Diaulas, o Panujo é um bode muito limpo. Não tem cheiro forte, não é fedido como todos os bodes ...
- Esse bode não fede ?
- Não ! As crianças gostam muito dele e dão banho quase todo dia. Ele é cheirozinho,... até talco passam nele...
- Verdade mesmo ?
- É sim, Seu Diaulas... Acontece que lá em casa não temos um quintal grande pra ele ficar... O Sr. sabe ? Ele é tão asseado que nem peidar ele peida...
- Esse bode não peida ?
- Não peida não, Seu Diaulas. É um bode muito educado... Tenho dó, mas tenho que passar o coitado adiante...
- Noossaaaa ! Se o Senhor está falandoooo... !
- Pois é, Seu Diaulas, esse bodinho é muito inteligente. E não é por "eu estar na minha presença" que eu vou contar um segredo que o Senhor nem vai acreditar, Seu Diaulas !
- Acredito sim, Seu Durval,... acredito sim... pode contar que eu não conto pra ninguém,...

Seu Durval colocou a mão nos ombros de Seu Diaulas, olhando para os lados se ninguém ouvia, e falou baixinho aos seus ouvidos:

- Seu Diaulas, esse bode é tão inteligente, que já está começando a falar ... !

Seu Diaulas ficou excitado, nervoso, ansioso, ... rodou o cigarro de palha na boca pra lá e pra cá, ... rodou, ... rodou, ... pensou, ... e disse:

- Bem, ... Seu Durval, eu acho que não será dificil vender o bichinho, ... ainda mais que é tão limpo, é popular e bem quisto por todos da cidade, ... e ainda tem esse segredinho aí, ... ! Quanto é que o senhor quer por ele ?
- Ah, Seu Diaulas, eu nem sei dizer. O Senhor que é um comerciante saberia quanto vale ?

O cigarro de palha de Diaulas rodou mais depressa na boca ainda. Arregalou os olhos, ... coçou a pança, olhou pro bode, ... coçou de novo, olhou de novo .... e fez logo uma oferta, ... alguma coisa hoje equivalente a uns R$ 200,00.

Durval Ramos coçou a cabeça,... olhou pra um lado, pro outro..., olhou pro bode, pro Diaulas, pro bode,... pro Diaulas...

- Está bem, eu vendo por esse preço !. Mas,... só porque o Senhor é meu amigo e sei que irá tratar bem do coitadinho... !

Seu Diaulas entrou em sua casa e foi logo pegar o dinheiro que guardava numa camiseira ... Eram muitas notas. E veio correndo pra entregar o dinheiro ao Seu Durval e ficar logo com o coitado do Panujo.

- Olha Durval, estou pagando só esse preço pra você porque eu quero ajudar!. Não tenho nenhuma utilidade com o bichinho...
- Eu sei, Seu Diaulas. O importante é que alguém cuide dele com carinho porque esse bichinho é de grande valor sentimental !

Enquanto ficaram os dois compadres trocando elogios um ao outro e também ao coitado do Panujo que estava ali do lado " assistindo a tudo e não falando nada "....

....... de repente, .....

.... Eis que Panujo aproximou-se de Durval Ramos, que estava com as notas na mão... e ABOCANHOU logo aquele "convidativo maço de notas" que pareciam ração do mais fino sabor e qualidade !

- Olha o bode comento as notas, ... pega as notas, ... pega as notas ...
- Xiii meu amigo, ... agora não dá mais, ... eu já perdi as notas ... e o bode agora é seu !

E Panujo, sem pestanejar, comeu todas as notas com muito prazer !

Os compadres estavam ali estáticos sem saber o que fazer !

De repente apareceu um senhor bem velhinho que assistia a tudo e foi logo chamando a atenção dos dois:

- É,... vocês estão vendo ? Vocês ficaram aí negociando o bichinho sem se preocuparem se ele estava gostando ou não ! Bem feito: ele comeu todo o dinheiro !. Agora que vocês aprendam e nunca se esqueçam de uma boa lição:

... " Até um bode velho tem sentimento, tem coração. Não se deve deixar de dar valor a quem ficou a vida toda servindo sem nada reclamar e, justo na hora de sua aposentadoria, é jogado fora como um simples bode velho ! "

O velhinho continou andando pela calçada, apoiando-se em sua bengalinha...

Os dois amigos e compadres ficaram ali boquiabertos sem nada falar !

Panujo, que tinha olhos azuis,... parecia estar se divertindo... e ao acabar sua refeição, olhou para os dois "Bodes Velhos" e exclamou:

- Bééééééééééé´................. !!!!!!!!!!!!!!!

Até hoje me chamam de bodinho....  Então,... eu só posso dizer:

- Bééééééééé´... pra vocês também  !

-    o    -
Raul de Abreu
26 / 12 / 2009

3 comentários:

  1. Elizabeth de Abreu Rodrigues21 de junho de 2010 às 13:25

    Oi Raul...

    Acabamos de ler a história do Bode Panujo. Rimos muito e amamos o estilo!
    À propósito li seu e.mail e me senti feliz! Confirmo a felicidade do encontro.
    Nosso convite está de pé para uma sessão gastronômica. Vamos combinar a data mais conveniente para voce.
    Beijos

    Elizabeth

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  2. Raul,

    Fazer rir é mais difícil do que fazer chorar. O humorista tem a genialidade de poucos.

    Você tem esse dom. Parabéns. Eu ri às pampas com o destino do Bode.

    Abraços,

    Teresa

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  3. Ah, se esse bode falasse! O que ele não contaria de nossa querida Tambaú? Gostei muito, divertido e , no final, uma "moral da história" muito adequada e atemporal. Conheci as personagens da história, seu Ceará, trabalhava na Cooperativa, supermercado de Tambaú na época. Seu Diaulas, fazendeiro, marido de D. Iolanda, responsável pelo Posto de Saúde de Tambaú. Seu avô, fundador e responsável pelo Correio. Gosto de ler seus contos e crônicas, muitos me fazem voltar no tempo e sentir saudades... Abraços, Raul.

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