sábado, 12 de junho de 2010

O PEIXE GRANDE !

Peixe TABARANA

Era uma vez em que nosso País passava por forte racionamento de alimentos.

Não havia disponibilidade dos principais gêneros alimentícios e em todos os lugares havia sempre avisos aos consumidores, como por exemplo:

“ESTE PRODUTO ESTÁ LIMITADO A DUAS UNIDADES POR PESSOA “.

Eu era bem jovem, nem tinha completado 15 anos de idade ainda e achava tudo aquilo muito estranho. Não conseguia entender porque em pouco tempo atrás nada acontecia e todos tinham de tudo e em quantidade “ilimitada” mas, de repente, faltava o leite, o pão, o arroz, o açúcar e a carne, além de muitos outros produtos.

E, ainda, havia aquela fila enorme de pessoas esperando a sua vez para comprar...

Mas, as pessoas mais abastadas não sofriam esses problemas pois havia sempre quem vendesse de tudo “SECRETAMENTE” e em “QUANTIDADE ILIMITADA” desde que se pagasse o preço que era cobrado.

Como era possível aquilo ? Se faltavam alimentos para todos, como é que poderia existir alguém se aproveitando da situação contra os “menos pobres” se aos pobres era somente reservada a única quantidade estabelecida pelo governo e, mesmo assim, a preços tão caros ?

Eu ficava revoltado principalmente porque na escola pública onde eu estudava havia colegas que nem conseguiam levar um lanche de pão com alguma coisa pois seus pais eram muito pobres. Então, minha mãe sempre fazia um lanche bem grande, às vezes com presunto e queijo, outras com goiabada, outras até com ovo frito...

Tinha um colega que ficava esperando o momento que eu iria chegar e dar a ele a metade do meu lanche... Acho que ele não tinha nada para comer em casa... Que triste !

Minha mãe gostava de fazer costelinhas de porco, mas a carne suina estava racionada a ponto de se conseguir apenas 1 kilo por família apenas uma vez ao mês. O frango também não existia. A carne bovina nem se podia pensar. Tudo estava muito caro e não se encontrava o que comprar, além do “estabelecido em lei” nos armazéns e cooperativas. Mas sempre tinha de tudo à venda em “determinadas casas” de algumas pessoas que aproveitavam aquela ocasião.

Um dia meu pai disse que íamos pescar. Era o que eu mais gostava de fazer em companhia dele porque íamos de bicicleta em um lugar bem distante da cidade, talvez uns 20 kilômetros, sendo que até chegar ao local chamado LAGOA DO JARDIM, nós íamos apreciando a vegetação, os pequenos animais silvestres e, ainda, deliciávamos com algumas frutas silvestres que colhíamos pelo caminho.

Era época da Páscoa e em minha família sempre se comemorava a Páscoa com bacalhau de todo tipo. Meu pai gostava só de bacalhau grelhado. Minha mãe fazia a vontade de meu pai, mas também fazia uma bacalhoada com batatas que eu adorava. Era uma grande alegria, pois meus primos também vinham comer conosco e a gente fazia uma grande festa em família. Tenho muitas saudades de meus primos...

Mas, naquele dia em que fomos pescar, meu pai virou-se para mim e para o meu irmão mais novo:

- Hoje temos que caprichar e pegar bons peixes porque com o racionamento, o preço do bacalhau ficou muito caro e nós esse ano não vamos poder comprar ! E se pegarmos bastante peixes poderemos salgar e guardar pra comer na semana que vem...

- Pai? Não vai ter bacalhau esse ano? Mas é só um peixe...!

- Sim, o bacalhau é peixe mas acontece que é importado e o governo agora não deixa mais comprarmos as coisas que não temos no Brasil. Só alguns produtos que precisamos e não temos aqui.

- Que produtos, pai ?

- Bem, por exemplo a farinha de trigo pra fazer o pão... e alguns outros produtos. Mas arroz e feijão não tem problema... Então hoje temos que caprichar porque a nossa bacalhoada esse ano vai ser de lambaris e piabas... e vocês têm que caprichar na pescaria !

Eu gostava muito de pescar e lá na Lagoa do Jardim, que não era uma lagoa e sim um rio não muito grande, tinha muitos peixinhos. A gente jogava farelo de milho na água e os peixes vinham “correndo” pra comer... Então a gente jogava o anzol e fisgava um montão, um peixe atrás do outro (não sei porque chamava Lagoa do Jardim mas parece que o dono daquele lugar chamava Seu Jardim).

Quando chegamos lá no lugar, tinha uma porteira com um aviso bem grande:

“PESCA LIMITADA A 3 PEIXES OU MEIO KILO POR PESSOA. OS TRANSGRESSORES SERÃO PRESOS E NÃO MAIS PODERÃO PESCAR NESSE LOCAL !”

Aquele aviso foi um “balde de água fria” em nossas cabeças ! Já não havia peixes pra se comprar nos armazéns, o bacalhau era muito caro e agora nem se podia mais pescar... Que tristeza ! Lembrei do meu amigo Manoel a quem eu dava metade do meu lanche pois ele não tinha bicicleta pra ir pescar e, talvez, nem tivesse uma vara de pescar... e eu tinha pensado em levar algum peixe pra ele comer com a família dele...

- Pai, por quê não podemos pescar mais peixes como antes ?

- É filho, agora é lei. Nós só vamos pescar o que está dizendo aí no aviso e depois temos que voltar pra casa senão poderemos ser presos !.

- Presos ? Mas não tem nenhum soldado aqui, pai.

- Mas deve ter algum escondido por aí só pra fiscalizar... Melhor a gente não fazer nada errado.

Fomos até um lugar onde tinha um poço com águas calmas. Não tinha ninguém ali pescando quando chegamos. Então meu pai nos disse que ali, se fizéssemos silêncio, iríamos pescar bons peixes e talvez até uma Tabarana. Eu nunca vi uma Tabarana mas meu pai dizia que era um peixe bem grande e muito gostoso.

Então eu fiquei só pensando naquele peixe e, confesso, fiquei até com medo porque com esse nome esquisito eu pensava que era um peixe perigoso e que deveria ser parente do Tubarão.

Não demorou muito tempo e já tínhamos pescado a quantidade que o aviso determinava. Meu pai pescou umas piabas e também um bagre. Eu e meu irmão só pescamos lambaris e acho que cada um de nós tinha pescado um pouco mais de meio kilo.

Então meu pai disse que já deveríamos pegar todo o material e voltar pra casa pois já tínhamos pescado o limite que estava estabelecido. Assim, começamos a guardar tudo e recolher as varas que ainda estavam armadas com anzol dentro do rio...

De repente, minha vara começou a envergar forte e eu corri pra pegá-la senão ela iria cair dentro da água e eu iria perdê-la. Segurei firme e percebi que algum peixe puxava muito forte. Então gritei com meu pai que veio rápido ver o que estava acontecendo:

- Pai,... pai ! Peguei ! Peguei ! Deve ser um bem grandão,... olha só como o peixe puxa forte,... deve ser um bem grandão !

- Dá linha pra ele, filho... dá linha até ele cansar senão ele pode quebrar a linha....

Alguns minutos depois o peixe cansou e eu consegui trazê-lo pra fora da água. Era uma Tabarana, um peixe lindo, grande,... devia pesar mais de 1 kilo. Eu não me continha de alegria de ver aquele peixe ali na grama, fisgado no último minuto de nossa pescaria...

- Pai, esse peixe vai dar pra gente fazer uma festa lá em casa. Olha só como ele é grande !

Meu pai e meu irmão estavam mudos de ver aquele peixão ali. Nunca tínhamos fisgado um peixe daquele, apesar que diziam que ali tinha muita tabarana.

- É filho, mas infelizmente nós não vamos poder levar esse peixe pra casa por causa do aviso. Se levarmos esse peixe, temos que deixar os outros que já pescamos. Mas os outros já estão mortos e isso nós não podemos fazer porque é pecado jogar fora uns peixes só porque pescamos um grandão...

- É pai, mas a gente pode levar esse aqui também... Eu já olhei e vi que não tem ninguém vendo a gente. Ninguém vai perceber nada...

- É, filho. Mas se alguém perceber nós podemos ser punidos...

- Mas, pai... você vai deixar esse peixe aqui ? Nunca pescamos um assim... Vamos levar...

Meu irmão também queria que meu pai deixasse a gente levar aquele peixe, mas ele falou que não era honesto “burlar” a lei, mesmo que ninguém estivesse vendo. Eu nunca tinha ouvido falar nessa palavra “burlar” e meu pai então explicou... Mas, mesmo assim, eu e meu irmão falamos pra ele que todo mundo fazia as coisas erradas e ninguém falava nada...

Então ele insistiu em nos dizer que o problema das pessoas era que uns sempre queriam ter vantagens enquanto outros sempre tinham prejuízos e que, além de estarem ferindo a lei dos homens, também estavam ferindo a Lei de Deus e que nós nunca deveríamos fazer nada de errado com os outros sobre aquilo que também não gostaríamos que fizessem contra nós...

- Pai, mas ninguém está vendo... Vamos levar esse peixe, pai... por favor !

Meu pai, ficou quieto olhando para o peixe e para nós dois e disse pela última vez:

- Filho, devolva o peixe à água. Já não podemos pescar. Vamos embora... precisamos ser honestos sempre !

- Mas, pai,... ninguém está vendo nada...

- Não, filho !. Você está enganado. Nunca se esqueça que “é justamente na hora em que ninguém está vendo, que você pode demonstrar o CARÁTER e quem você é de verdade !"

Não consegui dizer mais nada. Aquilo doeu mais que mil chicotadas ! Devolvi o peixe a água que parecia sorrir de felicidade enquanto nadava em direção ao fundo do rio...

Enquanto ele sumia nas águas daquele rio, pude vivenciar sentimentos de Tristeza e Alegria.

A Tristeza, talvez a Decepção, ...  por perceber a nossa Fragilidade diante de situações imprevistas que colocam em prova os nossos Princípios. E, ainda, o quanto eu estava sendo Egoísta e até Injusto quando senti a vontade de, por apenas capricho, querer levar para casa aquele Peixe Grande e exibi-lo às pessoas em minha casa ou às outras que porventura encontrasse pelo caminho, sem me importar que  estava sendo Desonesto com tudo aquilo que aprendera com meus pais desde os primeiros dias de minha vida.

A Alegria, ...  ao ver aquela criatura voltar ao seu ambiente, feliz e aliviada, como que se estivesse agradecendo por receber aquela nova oportunidade para conviver com os seus e, principalmente, porque aprendi uma lição muito importante sobre honestidade, moral e carater, que são qualidades imprescindíveis para que possamos viver em harmonia e respeito com todos. Fazer o bem nos faz sentir o coração em paz e recompensado por tê-lo feito. Sinto uma alegria muito grande quando me lembro...

Fico pensando nas coisas interessantes que a Vida nos reserva e coloca em nossos caminhos: - Aquele Peixe Grande que voltou às águas,  passou a morar em meu coração onde vive com segurança até os dias de hoje !.

... Meu pai faleceu faz alguns anos e eu já tenho filhos com mais de 30 anos de idade. Felizmente, sempre consegui carregar comigo essa "bagagem" que ele deixou de herança e que já deixei com meus filhos desde que eram pequenos ! Graças a Deus, sei que eles também vão levar sempre para todos aqueles que estiverem ao seu redor:

...” é justamente na hora em que ninguém está vendo, que você pode demonstrar o seu Caráter ! “

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