O interfone tocou! Aproximadamente 1:30 h da madrugada!
- Alô! É do apartamento do Sr. Síndico? Aqui é o Sivirino, porteiro da madrugada. A dona Fátima do apto. 72 quer falar com o Sr. Alberto. Posso passar a ligação pra Sra., Dona Cristina?
- Espera um pouco. Meu marido está dormindo. Vou ver se ele pode atender.
- Amor, aquela sirigaita do apto. 72 quer falar com você. Que é que você tem com aquela sem-vergonha?
- O quê? Que horas são? Cacete, uma e meia da matina? O que é que aquela filha duma coisa quer? Você tá louca, mulher? Eu não tenho nada com essa belzebu balzaquiana, ... tá pensando o quê ? Não achei meu negócio na lata do lixo!
- Alô, aqui é o Síndico. O que está acontecendo dona Fátima?
Dona Fátima era uma senhora solteirona, com uns 53 anos de idade, nascida em Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul. Antes de vir pra São Paulo ela era freira de uma Congregação das Irmãs muito rigorosas em uma cidade do Paraná.
Seu sotaque era muito acentuado com a mistura do tradicional gaúcho com o paranaense – cantado e carregado nos “R”.
Filha de italianos, de pele clara, bem clara, cabelos castanhos, lisos, olhos também castanhos, magra, professora de português em uma escola ligada à Igreja. Cheia de “não me toques, não me reles”, de um péssimo humor, mal educada e “boca-mole”, exigente e “Dona do Mundo”.
- Olha aqui Seu Síndico, eu não pago essa fortuna de condomínio pra não dormir a essa hora da madrugada. O Sr. tem que tomar providência urgente pra acabar com essa “zona” que é esse condomínio senão eu vou chamar a polícia e o Sr. vai se dar mal. E esse prédio ainda tem o nome de Parque da Primavera ! Mas que Primavera, né Seu Sindico. Devia é chamar-se Casa de Satã!
- Mas do que se trata dona Fátima? Eu também estava dormindo e não sei do que é que a Sra. está falando!
- Os seus empregados nesse prédio são muito vagabundos e não trabalham direito. Isso aqui parece mais um “cabide de empregos” de incompetentes. Ninguém quer fazer nada e eu não consigo dormir a essa hora. O Sr. venha já aqui no apto. 73 e acabe logo com essa sem-vergonhice que se arrasta há muito tempo!
- Mas o que é que está acontecendo, Dona Fátima? O casal que mora nesse apto. é tão distinto, nunca incomoda ninguém. Gente educada. O Dr. Rubens, advogado, é até Presidente do Rotary Clube e sua esposa, a Dona Marli, é médica pediatra conceituadíssima e ainda é voluntária no Lar das Crianças do Orfanato “Mãe Branquinha”!
- Esses “macumbeiros” são promíscuos, ficam “trepando” a noite inteira e não me deixam dormir! “Ontem mesmo, aquela “piranha” gritava:” Ai, ai, ai, ... me mata com esse teu cajado! Meu cachorrão gostoso. Põe tudo sem dó! Me arromba... me arromba.... aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii !!!!!!!!!!!!! “ e aquele safado ficou urrando: “ vou gozar,... vou gozar... vou gozar... ahhhhhhhhhh ... puta que pariu, que delícia !." Os dois faziam mais barulho que a Ambulância do resgate buscando vítimas em Incêndio das Torres Gêmeas !
- Dona Fátima, que linguajar é esse ?
- Pois é! Se o Sr. que é um profano se assusta, imagine eu que sou uma Freira! E o pior de tudo, é que eles inventam safadezas novas todas as noites. As paredes do meu quarto ficam tremendo a noite toda. Até a minha cama parece que está pulando... Que sem-vergonhice! E ninguém toma providência nenhuma; isso aqui tem que ser um lugar de respeito! Oras, onde é que nós estamos? E o condomínio está pela hora da morte, um absurdo o que o Sr. está cobrando.... O Sr. até trocou de carro, não é? O Sr. deve estar roubando o condomínio, isso sim. E não faz nada porque aqueles macumbeiros devem ser seus amigos, né?
- Olha aqui, Dona Fátima: agora a Sra. foi longe demais. Pra que a Sra. saiba, eu não cobro nada desse condomínio. Não preciso disso, pois tenho meu negócio próprio e não fico fazendo trambiques com o dinheiro do condomínio. Se a Sra. tem dúvidas, procure o Conselho Fiscal e faça sua denúncia que assim eu vou aproveitar para processá-la por calúnia e difamação.
- O Sr. não tem é vergonha na cara! O prédio aqui caindo mais que Sodoma e Gomorra e o Sr. aí dormindo, quando deveria estar cuidando do bem estar dos moradores honestos e decentes deste prédio.
- Dona Fátima, a Sra. faça o favor de parar com as acusações, relaxa e vai dormir. Logo pela manhã, vou procurar o Dr. Rubens e conversar com ele... mas eu não posso impedir que ele se relacione com a mulher dele... afinal, eles são casados e proprietários do apto....
- O que é que o Sr. está insinuando? Só porque eu sou inquilina e não sou dona? Muito bem, sou inquilina, mas pago meus aluguéis em dia e também esse absurdo, esse roubo de taxa do condomínio. Por esse dinheirão todo, esse prédio devia ter mais organização e não deixar macumbeiros trepando quando a gente quer dormir... Eu sou uma mulher séria, honesta, direita, dos bons costumes de moral, respeitadora e temente a Deus. É por isso que esse País não vai pra frente, com gente como vocês!
- Ok, Dona Fátima,... ok ! Vai dormir, por favor. Logo cedo eu converso com o Dr. Rubens.
- E aí, seu sem-vergonha? Estava conversando com a sua amiguinha, tava? Fique você sabendo que se você continuar conversando com aquela “falso-moralista”, cara de “piranha” eu vou deixar você sozinho. Não brinque comigo! (disse dona Cristina ao Sindico seu marido)
- Cristina, minha querida... ossos do ofício; eu detesto aquela mulher tanto quanto você. Ela, só porque é uma ex-freira, moralista, solteirona e “sem macho!”, se acha no direito de cobrar comportamento de todo mundo. Aposto que ela está é morrendo de inveja e louca pra trepar... mas ninguém topa aquele “tribufu, filhote de urubu com gambá!” Essa mulher deve ter até “teia de aranha”! Ela até me chamou de ladrão! E voce, Cristina, não me esquente mais a cabeça que já estou puto demais e preciso dormir... amanhã eu dou um jeito nisso tudo e essa “pecadora” nunca mais vai me ligar aqui, vai embora do condomínio... ou meu nome não é Alberto!
Logo pela manhã, Alberto foi até o escritório do Dr. Rubens...
- E aí, amigão? Bom dia! Cara, você viu o meu time que faturou aquele timéco carioca?
- Porra meu! Teu time tá que tá! Mas e aí? O que o traz até meu escritório? Brigou com a patroa e quer se separar ? (brincou com um sorriso irônico).
- Pois é, Rubão: aquela múmia do apto. 72 me ligou a uma e meia da madruga reclamando que vocês estavam exagerando na cama... Bem, eu acho que vocês têm mais é que fazer amor mesmo... mas, cuidado com aquela jararaca que ela vai começar uma guerra no prédio contra vocês!
- Alberto ... ! Você está brincando ? Não é possível isso ! Todo santo dia aquela senhora nos cumprimenta com toda educação... Nunca imaginei que ela fosse fazer uma coisa dessas... Eu sei que de madrugada todo pequeno barulho se propaga como um trovão... mas... Bem, vou falar com a Marli e prometo tomar cuidado!
- Tudo bem amigão, a gente se vê!
Saindo do escritório do Dr. Rubens, Alberto decidiu procurar imediatamente Dona Fátima e dizer a ela que já havia tomado providências e que o problema não deveria se repetir.
Quando dirigia até a escola, percebeu que o Sr. Miguel, também proprietário e morador do prédio, de uns 75 anos, grisalho, boa forma, fama de garanhão, estava dentro de seu carrão “importado” – uma Volkswagen Variant II – 1982, em frente à escola onde Dona Fátima lecionava.
Achou estranho aquilo... Estacionou vagarosamente a uns 30 metros, do outro lado da rua, à sombra de uma árvore e ficou aguardando...
Dona Fátima, minutos depois, saia da escola com mais duas amigas e outros 2 professores. Alberto, intrigado, resolveu seguir o pessoal. O carro do Sr. Miguel, lotado, com 6 pessoas, dirigiu-se ao prédio.
Alberto, discretamente seguiu-os.
Desceram até o 2º. Subsolo, onde ficava a garagem do Sr. Miguel. Alberto estacionou em um estacionamento ao lado do prédio para ninguém perceber. Aproveitou o momento, desconfiado, ligou de seu celular para o Dr. Rubens dizendo o que estava acontecendo e chamou-o para vir ao prédio.
Alberto, no 1º subsolo, observou que o elevador levava todo mundo até o 7º. Andar, onde morava Dona Fátima. Naquele horário, 10 horas da manhã, havia pouca gente no prédio. No 7º andar, todos os moradores estavam fora.
Alberto ligou para os membros do Conselho de Administração, dizendo que precisavam urgente vir até o prédio porque havia uma emergência que ele não podia dizer pelo telefone. Vieram 5 pessoas, mais Dr. Rubens e esposa, o Zelador, um faxineiro, a esposa de Alberto, o Sr. Raul Chapéu – um “empresário da noite” de um “inferninho” conhecido na “Boca-do-Lixo” e a Irmã Cordélia, Diretora da Instituição de Ensino e o Caminhão de Bombeiros!
Foram silenciosamente até a porta do apto de Dona Fátima, onde se ouvia uma algazarra fenomenal:
- Corre galinha, que o galo te pega... corre galinha que o galo te pega. Olha o Trenzinhoooooo... Piuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... piuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... Vem aqui minha cadelinha que eu vou te dar um banho de champagne...!!!!!!
Tocaram a campainha! Silêncio! Dona Fátima, nua, envolta numa toalha, entreabriu a porta e...
- Surpresaaaaaaaaaaaaaa ! Olha aí, Dona Fátima... Pensei que estava pegando fogo em seu apto, trouxe aqui os bombeiros e inclusive seus amigos !
Dona Fátima caiu desmaiada. Todos entraram rapidamente no apto - uma bagunça danada, enquanto os “moralistas” daquele bacanal, assustados, nus, tentavam disfarçar a tragédia!
Alguns dias depois, Seu Miguel, cara de pau, continuou morando no apto. e vangloriava-se se dizendo “machão” quando os moradores o abordavam com gracejos. Dona Fátima ninguém sabe onde foi parar, Dona Cristina continua desconfiada e brigando com o Sr. Alberto cada vez que tocam o interfone.
Rubens e Marli, quando fazem amor de madrugada dizem: “esse prédio nunca mais vai ser o mesmo”... !
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